Coma e vá levar a mensagem - Mês da Bíblia 2024

A cada ano, a Igreja do Brasil  nos leva a aprofundar vivência cristã com um estudo bíblico dirigido a todos os cristãos, a todas as dioceses e paróquias, a todos os movimentos, grupos e pastorais. É uma forma de fazer a seiva da Palavra de Deus percorrer todas as veias de nossa Igreja oxigenando-a com a presença do Espírito, procurando nutrir todos os seus membros e cada uma de suas múltiplas ações.

Nesse ano de 2024, somos levados a aprofundar o estudo do livro do profeta Ezequiel que viveu em tempos muito difíceis, mas sem desanimar. Ele soube encorajar os seus contemporâneos e os fez resgatar a certeza da presença de Deus em meio às tribulações. Ele é o profeta da esperança e nos comunica a certeza de que Deus nunca nos abandona.

Quem era Ezequiel?

Ezequiel foi um dos profetas que atuou no período do Exílio da Babilônia (Ex. 3,15), por volta do ano 593 antes de Cristo. Ele pertencia a uma família sacerdotal (Ez 1,3) e os sacerdotes eram muito ligados ao rei e à estrutura religiosa, sobretudo ao Templo. E foi no Exílio, diante do sofrimento do povo, que ele sentiu o chamado, a vocação para o profetismo. Assim, um sacerdote tornou-se profeta e se mostrou sensível à dor e situação de seu povo. Ele rompeu com a visão estreita de seu tempo e denunciou, com força e coragem, o pecado de Israel (Ez 16; 20; 23). Por esse motivo, anunciou a destruição da cidade santa: Jerusalém e do Templo, lugar sagrado e sinal da presença de Deus no meio do povo.

No antigo oriente, corria a ideia de que cada deus estava ligado a um determinado país. Assim parte do povo de Deus estava em Jerusalém pensava que seus irmãos, exilados na Babilônia, estavam longe de Deus, abandonados, pelo simples fato de estar longe da terra (cf. Ez 11,15). O testemunho profético de Ezequiel vai desmontar a falsidade dessa crença que corria no meio do povo. Sua experiência de fé revela que Deus se encontra lá onde está seu povo (cf. Ez 11,14-16).

Ezequiel era casado e sua esposa morreu antes ou durante a destruição de Jerusalém e ele recebeu de Deus uma ordem estranha: ele não deveria chorar. No entanto, a cultura da época indicava que todos os funerais deveriam ser acompanhados com choros e lamentações (cf. Ez 24,15-24). Isso vai se transformar num gesto profético diante da destruição da cidade de Jerusalém, pois o drama era tão grande que o povo nem mesmo teria forças para chorar. Importa lembrar que o profetismo foi a única instituição que permaneceu viva no Exílio da Babilônia (cf. Jr 29,15.21.24). O profetismo será a fonte de esperança para o povo, revela que Deus quer a vida de seu povo e é fiel à Sua Aliança.

Também nós vivemos tempos difíceis, de falsas crenças que penetram em nossas comunidades, que causam mal entendidos, divisões, enfraquecimento de nossas comunidades. Vivemos dramas humanos com catástrofes ambientais, devastação da natureza, discriminação de irmãs e irmãos por questões de raça, gênero, condição social, intolerância religiosa, entre outras. Tempos de corrupção política e religiosa; Tempos de guerras, de violência armada, de violência no trânsito, de agressões sexuais. Tempo de falsas notícias  de fake News e desinformação...

O estudo de Ezequiel vem para nos ajudar a recuperar a esperança diante dos tempos difíceis. Não estamos sozinhos, Deus caminha conosco. O livro deste profeta pode ser dividido em três partes: depois de uma introdução (Ez 1,1 – 3,15) A – Anúncio do Julgamento: antes da destruição de Jerusalém (Ez 4 – 24); B – Os oráculos contra as nações (Ez 25 – 32); C – Vida Nova e Esperança: depois da queda de Jerusalém (Ez 33 – 44). Essa reflexão pretende destacar alguns pontos:  a necessidade de tornar a Palavra de Deus nosso alimento (1); reforça nossa responsabilidade com nosso momento histórico diante de Deus (2); nos convoca sermos sentinelas da vida (3); portadores do espírito de Deus (4) e fonte de vida nova (5). O testemunho de Ezequiel nos ajudará a acordar em nós, e em nossas comunidades, o espírito profético, na certeza de Deus nos fortalece e vivifica: “Porei em vós o meu espírito e vivereis” (Ez 37,14).


Que a Palavra seja nosso alimento: "Toma essa palavra e come"

Deus dirige sua Palavra ao Profeta. Esta Palavra lhe comunica o espírito e o faz ficar de pé. Ele, como simples “criatura humana”, frágil, é incapaz de compreender os desígnios de Deus por si mesmo. Necessita da força e da presença de Deus para realizar a missão que lhe foi confiada. Ele é enviado a um povo rebelde e sua profecia vai causar dor, gemidos e lamentações (Ez 2,8-10) e sofrerá resistência da parte do povo. A profecia só é possível se o profeta faz da Palavra seu alimento (Ez 3,1-3), não basta ler, ouvir, ela deve penetrar, moldar, todo o seu ser até às entranhas. Assim ela se torna a força do anúncio e da missão realizada pelo profeta, quer o povo escute ou não (Ez 3,10).

O livro de Ezequiel começa com uma visão cheia de vários elementos. Ele é um homem de grande sensibilidade, um mestre da palavra, um poeta detalhista, rico em imagens. Trata-se de um texto cheio de retoques feitos pelos discípulos do profeta Ezequiel e é difícil separar o que é próprio dele ou de outros. Com essas visões, mais que indicar alguma coisa direta, o Ezequiel deseja transmitir uma experiência, busca revelar o seu “encontro” com Deus. Ele se prostra com o rosto no chão quando vê “aparência visível da glória de Deus” e ouve “a voz de alguém” que falava com ele (Ez 1,28).

Ezequiel se apresenta como um profeta chamado por Deus em meio aos “deportados” nas margens do rio Cobar, sete anos antes da destruição de Jerusalém (Ez 1,1-3). Nas Escrituras, fogo e luz são manifestações da presença de Deus, de forma semelhante, todos os elementos que aparecem nas visões servem como preparação para revelar o essencial da visão de Ezequiel: “a glória de Deus”. O espírito de Deus o arrebata, a mão de Deus pousa sobre Ele e, como um sentinela (Ez 3,16b-21), ele tem a missão de anunciar um juízo que não se poderá evitar e de reconfortar os que duvidavam da presença e da graça de Deus (Ez 33,10).

Ezequiel, juntamente com o rei Jeconias e sua família, é da primeira turma de uma série de 3 deportações (ocorridas nos anos 597, 586 e 582). Ele atuou no Exílio da Babilônia de 593 a 570 a.C., aproximadamente e, somente em visão, esteve na cidade de Jerusalém. No Exílio da Babilônia, encontravam os representantes políticos, religiosos e intelectuais do povo de Deus, Ezequiel parece dirigir-se mais a Jerusalém e a Judá que aos prisioneiros exilados. Como diz o ditado popular: “é batendo na cangalha que o burro entende”. Sobre isso há várias ideias, mas é preciso nos ater aos dados apresentados pelo profeta e conservados pela Tradição. Seu anúncio é uma mensagem aos companheiros do cativeiro na Babilônia em seus problemas e dificuldades. Eles são enganados por falsos profetas (Ez 12,21 – 13,16) e falsas profetisas (Ez 13,17-23) e, por causa do esplendor do culto dos babilônicos a outros deuses (Ez 14,1-11), correm o risco de abandonar a fé (Ez 20,33-44) e de desviarem-se da justiça (Ez 18,1-20).

As pessoas têm gosto em ouvir Ezequiel, mas não põem em prática o que ele diz (Ez 33,32). Nos relatos ele quer mostrar que a “glória de Deus” chega entre os exilados na Babilônia, ela se faz presente numa terra estrangeira (Ez 1,1 – 3,15); também se afasta do Templo de Jerusalém (Ez 8 – 11) e só retorna no Templo renovado (Ez 43). Em resumo, Deus não se prende a um templo, a uma terra, Deus tem um laço de amor com seu povo. Deus está onde está o seu povo. Importa lembrar que o período do cativeiro foi um tempo sofrido, mas de grande ação catequética e de produção literária. O momento mais crítico da história, tornou-se também o mais fecundo para o crescimento na fé e para a compreensão de Deus.

O simbolismo que retrata a dureza do exílio

As constantes visões que aparecem nos relatos são experiências que indicam o que Ezequiel deve comunicar ao povo. As ações simbólicas são indicações reais de um acontecimento futuro, de alertas para o povo. Assim Ezequiel representa o cerco de Jerusalém (Ez 4,1-3); cozeu o pão com excrementos (Ez 4,9-17); cozinhou carne com osso (Ez 24,1-14); abriu um buraco na parede para partir com um deportado (Ez 12,1-11); deixa de usar luto pela morte da esposa (Ez 24,15-24), que foi para ele um grande golpe, tudo isso para representar o juízo de Deus sobre a cidade de Jerusalém.

Os judeus exilados acreditavam que enquanto Jerusalém estivesse de pé, Deus continuaria com seu povo. No seu modo de pensar, Jerusalém não poderia ser destruída. Ezequiel anuncia a ruína da grande cidade, uma notícia que o povo não queria e se recusava ouvir, pois nela haviam depositado a sua esperança. Por isso aparece muitas vezes a expressão: “casa rebelde” (Ez 2,5-8; 3,9; 12,2; 9,25; 17,12; 24,3; 44,6). O destino trágico de Jerusalém, que parecia ser sinal do abandono de Deus a seu povo, vai se converter, pela misericórdia de Deus, num novo começo, numa vida nova, numa nova proposta de salvação.

“Coma esse rolo, e depois vá levar a mensagem para a casa de Israel... Eu comi e pareceu doce para o meu paladar.” (cf. Ez 3,1.3). Ter gosto pela Palavra, fazer dela nosso alimento constante é o caminho para uma efetiva animação bíblica da vida e da pastoral. A Palavra de Deus deve converter-se em nosso alimento diário, deve ser reforçada nos nossos grupos de reflexão e círculos bíblicos, deve ser melhor apreciada em nossos cultos e celebrações, deve ser melhor aprofundada em nossos estudos e cursos bíblicos. Se nos afastamos da Palavra de Deus, perdemos a profecia. Se não nos encontramos verdadeiramente com Jesus, no espelho de sua Palavra, deixamos de ser anunciadores/as do Reino e traímos o seu projeto de vida, justiça e fraternidade para todos.

 APROFUNDAMENTO: As lideranças religiosas da nossa e de outras igrejas, estão acordando ou abafando a profecia? Dê exemplos.

Esse texto é parte de um estudo dirigido sobre o tema do Mês da Bíblia 2024.

Denilson Mariano

F/ CNBB

 

 

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