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12/12/2023 Romero Venâncio (UFS) Edição 3966 A Extrema Direita Católica e seu mundo paralelo
F/ Pixabay
"Se trata de um movimento organizado e liderado por pessoas que souberam como tirar proveito das várias formas de rede digital disponível e de acesso fácil pela maioria da população brasileira. [...] Uma parte dos rumos do país passa pelas redes digitais hoje em dia. E não tem sido diferente com a religião católica no Brasil."

Prof. Romero Venâncio, da Universidade Federal de Sergipe

Nos últimos quatro anos tenho dedicado uma parte de meu tempo para estudar e compreender mais de perto o universo mental/cultural da extrema direita católica nas redes digitais e como se espalha no tecido social de dioceses, paróquias e pastorais no Brasil.

Demarquei o ano de 2013 como uma data limite para traçar um perfil e ter um ponto de partida seguro para os estudos até os dias atuais (2023).

As chamadas "jornadas de junho" em 2013, a ascensão de uma direita laica e religiosa, o inicio do papado de Francisco e toda uma fúria anticomunista que se reerguia com força e que não víamos com tanta visibilidade social desde 1964, foram alguns fatos que motivaram e motivam a pesquisa.

Organizei a pesquisa sobre esta extrema direita católica, tomando por base grupos organizados nas redes digitais e os chamados "youtubers" (figuras católicas que se tornam "celebridade" nos meios religiosos a partir de algum canal no youtube).

Tradicionalismo calibrado com "negacionismos" e "teorias da conspiração"

Toda uma "pauta tridentina" (cultura advinda do Concílio de Trento no Século XVI e do Concílio Vaticano I no Século XIX) foi derramada nas redes digitais tendo como objetivo um "tradicionalismo" só visto com o processo de romanização iniciado ainda no Século XIX. Mas com um agravante: um tradicionalismo calibrado com "negacionismos" e "teorias da conspiração".

Não poderei me deter aqui sobre a propagação destas ideias nos meios católicos (já o fiz em outros textos e cursos), mas acrescento ainda ainda uma forte influência decisiva das ideias e da maneira de se comportar nestas redes digitais de Olavo de Carvalho.

Ainda falta fazer um estudo mais detido e rigoroso sobre o impacto das ideias de Olavo de Carvalho na vida do clero, seminaristas e vários leigos e leigas católicos nas últimas três décadas no Brasil.

Toda essa gente se organiza em grupos fechados do WhatsApp, divulgam suas ideias e doutrinas no Instagram, no facebook e quase todos estão no Youtube e plataformas pagas com seus cursos, palestras, orações, louvores e teorias apocalípticas. A coisa não é brincadeira ou apenas mera tolices.

Se trata de um movimento organizado e liderado por pessoas que souberam como tirar proveito das várias formas de rede digital disponível e de acesso fácil pela maioria da população brasileira.

Como tudo que chegou neste velho Brasil como novidade, entramos sem nenhum preparo e com um deslumbre messiânico.

Uma parte dos rumos do país passa pelas redes digitais hoje em dia. E não tem sido diferente com a religião católica no Brasil. Uma religião que ainda tem um peso significativo e nada desprezível na vida política brasileira.

Sempre com um anticomunismo e moralismo de plantão

Guiados por "teorias da conspiração" e procurando a todo custo passar uma imagem que vivem num "mundo paralelo", estes grupos/youtubers da extrema direita católica procuram reconfigurar à maneira mais tradicionalista possível a vida católica no Brasil (sabendo que isto é fenômeno mundial e não só brasileiro). Se orientam por termos vagos, mas mobilizadores. Por exemplo, tudo para eles que não é tradicional é "modernista". Do Concílio Vaticano II ao Papa Francisco, tudo o que rege a Igreja é o "modernismo".

Missas, livros, estudos, correntes teológicas, comportamentos dos padres e bispos e toda uma cultura católica presente no mundo é chamada de "modernista". Uma palavra que de tanto ser usada indiscriminadamente, perde seu sentido rigoroso e vira um clichê. Mas com uma assertiva: funciona na prática e mobiliza as pessoas. Pouco importa se o sujeito/sujeita católico de direita sabe seu significado. Basta apenas acreditar que é assim.

Alguns elementos do "brasil paralelo" de toda essa gente: as antigas e novas aparições de Nossa Senhora (sempre com um anticomunismo e moralismo de plantão), as visões apocalípticas do fim do mundo, os delírios com o inferno, a vivacidade com que falam de demônio e diabo em pleno século XXI, a obsessão com a palavra pecado (prato cheio para a psicanálise freudiana) e todo um "ódio ao mundo" como lugar de perdição. E pasmem, isto tudo não vem apenas de pessoas com mais de 60 anos.

Maioria juventude e meia idade 

A maioria das pessoas que acreditam e divulgam estas ideias estão na juventude e meia idade (faixa de 40 anos). Percebemos um setor jovem importante da sociedade brasileira buscando desesperadamente essa vida tradicionalista e vivendo ilhada numa paranoia incomum.

Não vou neste simples texto buscar as razões histórico-materiais para tudo isto. Existe e um marxismo não-dogmático é de extrema valia na leitura deste fenômeno. Só para ficar em duas citações do campo marxista: Terry Eagleton e o seu livro "A morte de Deus na cultura" (Editora Record) e a obra fundamental de Franz Hinkelammenrt "A maldição que pesa sobre a lei: as raízes do pensamento crítico em Paulo de Tarso" (editora Paulus). Bastaria estas duas obras para nos ajudar (no campo marxista) a entender as bases deste fenômeno na cultura contemporânea. Não o faremos neste espaço. Deixamos apenas as dicas.

Sabendo ainda que não faltam pesquisas, livros e artigos em psicologia da religião, sociologia da religião ou ciências da religião em várias universidades brasileiras preocupadas com estes rumos do cristianismo(s) em tempos atuais.

 

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