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14/07/2020 Robson Ribeiro de Oliveira Castro Edição 3926 A reinvenção do cotidiano em tempo de pandemia
F/ Pixabay
"Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…"

Robson Ribeiro de Oliveira Castro*

 Platão, um pensador que viveu há mais de 350 anos antes de Cristo, em sua obra: A república, apresenta o “Mito da caverna”. Nele afirma que, os seres humanos, vivem em uma caverna e com os olhos voltados para os reflexos que são projetadas na parede. Ou seja, estamos de costas para a entrada da caverna, de costas para a realidade. Tudo o que vemos não é, senão, a sombra da realidade projetada pelo sol.

 Olhar de frente a realidade

A pandemia do COVID-19, vivenciada pelo mundo inteiro, já fez milhares de vítimas. Trata-se de uma realidade nunca antes concebida. Nem os melhores roteiristas de Hollywood poderiam imaginar que, na vida real, passaríamos por uma ameaça invisível de um vírus com tamanho poder de propagação, que mata todos os dias.

É preciso nos apoiar na realidade, encarar o que estamos vivendo. Não podemos deixar de lado a gravidade dos acontecimentos e muito menos nos aprisionar no reflexo das sombras dentro da caverna. Precisamos seguir em frente, mas não é ético ocultar ou virar às à realidade. É preciso revelar, tirar o véu, ou seja, tirar das sombras o que está oculto e encarar, a realidade. É preciso um agir ético. Pensar em ética é pensar em condutas e valores que, honestamente, possam nortear nossas ações e decisões. Desta forma, a situação da pandemia que vivemos é um momento de refletir eticamente sobre a nossa realidade, mas sem perder a esperança. Mas o que é mesmo ter esperança?

 Esperançar: fé na vida

Segundo Paulo Freire, educador brasileiro de renome internacional, “é preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…” Em síntese, esperançar é ter fé na vida.

“Esperançar é não desistir”. Daí a importância do cuidado com a vida, do respeito ao próximo e, principalmente, o respeito às gerações e, de modo especial, os mais idosos, que são os mais vulneráveis diante desta pandemia. Talvez, não saibamos o devido lugar e valor dos idosos, somos uma geração do imediato, do acesso a tudo com um clique e não do acesso às coisas que demoram e que nem sempre vemos florir.

Uma conduta moral duvidosa, sem apreço à vida, nos leva a deixar de vivenciar os melhores momentos de nossas vidas. Por isso, esperançar, é ter iniciativa, é ir ao encontro, é socorrer os necessitados, os fragilizados, é buscar e fazer acontecer. Com cautela, mas de frente para a realidade, cientes das dificuldades que devemos encontrar.

Neste contexto de pandemia do novo coronavírus, encarar a realidade da vida cotidiana é um desafio. A exigência do distanciamento e do isolamento social é, de fato, um fardo pesado. Porém, é preciso acreditar na ciência, acreditar nos profissionais de saúde e, acima de tudo, ter fé que vamos superar essa fase e que vamos vencer essa pandemia.

 Um convite à conversão

Não podemos menosprezar o número de mortos. São indivíduos, são vidas humanas abreviadas pela COVID-19. São pessoas que sofreram as consequências diretas dessa difícil realidade. Não são somente números, são vidas, são famílias que se desfizeram com a morte de um ou mais membros. Essa realidade é, acima de tudo, um caminho de cuidado, de zelo ético pelos afligidos pela contaminação e atenção aos que mais sofrem.

Vivenciar este período, olhando para a realidade, é um convite à conversão. Diante dos desafios, somos chamados a nos colocar no processo de reinvenção do cotidiano. Recriar novas atitudes e novo jeito de ser e viver. Algo ainda difícil para uma sociedade que vive com pressa e sem tempo, voltada para dentro de seus pequenos mundos, cavernas que nos levam a fugir da realidade. A tecnologia veio a nosso favor, mas também nos faz adoecer. Devemos priorizar o nosso tempo, as nossas relações e, sem medo de errar, priorizar a nossa espiritualidade. Podemos buscar e alimentar a nossa espiritualidade em qualquer ambiente, mas, nestes tempos de isolamento social, nossa casa, nossa família se tornou o lugar privilegiado para este cultivo interior que nos leva a sair de nós mesmos em direção a Deus e aos irmãos.

Denilson Mariano, Missionário Sacramentino, afirma que a “mudança, na direção de um mundo diferente começa em nós, onde moramos, vivemos, trabalhamos, estudamos, nos divertimos... Trata-se, primeiramente, de uma mudança local e de dentro para fora, a começar do modo de nos relacionar conosco, com as pessoas de casa, com os parentes, amigos, vizinhos e com qualquer pessoa que encontrarmos no dia a dia.”

O ano de 2020 era marcado por muitos planos, projetos, viagens, encontros programados, mas foi necessário adiar tudo para proteger a vida. Para fazer valer o bem-estar social. Isto é parte de um agir ético. A ética nos faz refletir sobre nossas condutas e nossa sadia relação social. Mesmo que nem todas as atividades propostas para o ano se realizem. Importa, com o distanciamento social, mudar a nossa mentalidade e as nossas atitudes, ter o propósito de encarar a realidade, refletir sobre a inter-relação das coisas. Tudo está interligado, talvez isto seja o melhor que este momento pode nos proporcionar.

Um mundo novo só será possível sob a condição de sermos responsáveis por ajudar a construir mudança que esperamos. “Esperançar é construir a esperança”. Assim, com o espirito renovado, devemos observar e fazer valer a nossa oração, o nosso pedido de auxílio a Deus que é Pai todo misericordioso. Ele nos escuta e vem em socorro da nossa vida. A realidade atual vivenciada por nós é um convite a olhar para esta pandemia como desafio a ser superado. Como caminho para criar esperança e gestar uma realidade nova, novos projetos e outro jeito de viver, mais humano, mais ético e solidário. Jesus que foi o verdadeiro propagador da mudança de sua época nos inspire a continuar nesta caminhada.


 * Mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); Professor do Instituto Teológico Franciscano (ITF); Colaborador do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio (ITASA); Editor-gerente da Revista RHEMA, Revista de Filosofia e Teologia do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio.



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