A resposta de Deus à tentativa de construção da Torre de Babel envolve uma grande ironia: enquanto a cidade e a torre sobem, pretendendo alcançar o céu, Deus desce para ver o que esses homens estão fazendo. Isso já é um julgamento. Por mais que os homens façam, jamais conseguirão chegar a Deus. Se Deus não vier ao seu encontro, ele nunca se encontrará com o absoluto verdadeiro. Não adianta querermos conquistar a transcendência. Se a conquistarmos, ela será falsa, exatamente o contrário do que Deus é. A transcendência se dá, e o máximo que podemos fazer é estarmos abertos e receptivos a ela.
Gênesis 11, 5 contém o mistério central revelado na bíblia. Os homens querem subir até Deus e, se possível, ocupar o lugar dele. Deus, ao contrário, quer descer, e desce ao nível da humanidade, e ocupa o último lugar entre os homens (cf Fl 2,6-11). Enquanto os homens procuram, a todo custo, se desencarnar, Deus se encarna. Essa diferença de direção perseguida pelo homem é muito perigosa, pois ele pode perder justamente o que procura. E depois disso o que lhe resta senão o nada embaraçado na arrogância e no orgulho.
Pode ter limites a ação do ser humano?
A fala de Deus no versículo sexto é elucidativa: se não se coloca um fim no mistério da Torre de Babel, ela se espalhará como um vírus por toda parte. Falar a mesma língua (ideologia) e formar um só povo (arranjo social), embora com muitas diferenças, é um perigo. Por que? Porque quando todos colaboram com o projeto faraônico da hegemonia econômica, política, social e ideológica, a dominação não tem mais limites. Então alguns homens se tornarão divinos (falsos deuses) e, todos os demais deverão servi-los com as ofertas de seus sacrifícios para satisfazer seus caprichos.
A constatação de Deus é uma tomada de consciência que se opera na cabeça dos homens. Ou se resiste ao veneno, ou fica-se envenenado para sempre. Os camponeses daquele tempo descobriram que o projeto de Deus não era o da cidade com suas torres. Era um projeto de vida que passava exatamente pelas mãos dos camponeses em forma de alimento. Ora, a cidade não produz vida, pois não produz alimento. Pelo contrário, ela o consome. Consequentemente, a cidade é consumidora da vida. A única produção da cidade é a idolatria, os falsos deuses que não alimentam ninguém, mas servem-se das pessoas, alimentando-se delas.
O Deus verdadeiro, que gera a vida, vem do campo, enquanto que o deus da cidade é um ídolo que devora a vida e fabrica a morte. Esse deus tem que ser destruído a tempo antes que seu veneno se espalhe e contagie a todos, em escala mundial.
A ação de Deus e dos camponeses começa pela operação desmonte da ideologia. Não se oferece mais a argamassa para a construção da torre.
Deve-se estar atento à linguagem, à forma de comunicação dos construtores da torre para perceber as suas reais intenções e desmascará-los.
Uma saída
A cidade tem uma origem bela, inscrita no mais profundo do nosso ser: como seres relativos, dependentes de relações, precisamos dos outros, dos que eles são, do que eles produzem, assim como os outros precisam do que somos e produzimos. Mas isso traz uma verdade da qual não podemos fugir: precisamos ser e precisamos produzir, para ter o que trocar e partilhar com os outros. Consumir apenas é ser sanguessuga. Dar apenas é ser explorado. Primeiro é preciso justiça. Vida é troca, relação, partilha. Quando isso acontece, a vida se torna festa, alegria.
A estarmos juntos à base da dominação é melhor que nos dispersemos. A dispersão tem um lado estrutural, que atinge a economia, a política e a estruturação social. É um não à acumulação, ao cerceamento à liberdade e à estratificação social. Deus desfaz os projetos dos homens ambiciosos e, em sua sabedoria nos orienta para que cada um de nós chegue à plenitude da vida e da liberdade, para que não sejamos roubados naquilo que somos e temos.