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26/09/2021 Sophie de Villeneuve _ La Croix Edição 3940 Ainda temos necessidade de teólogos? Bernard Sesboüé faleceu neste dia 22 de setembro 2021. O jornal La Croix publicou, entre outras matérias sobre ele, uma de suas entrevistas.
F/ La Croix
"Por que a Igreja tem necessidade de teólogos? Não é suficiente ter fé? E por que voltar às mesmas perguntas ao longo dos séculos? O padre Bernard Sesboüé, teólogo, falecido a 22 de setembro 2021, explicava, há quatro anos atrás, em que consistia seu trabalho."

 Sophie de Villeneuve: Um internauta da página croire.com nos pergunta: “A Igreja tem necessidade de teólogos?”

Bernard Sesboüé: Essa pergunta me parece um pouco inquietante, porque ela parece subentender que a teologia não interessa a ninguém, e que há pessoas que se dedicam a perguntas muito complicadas, que poderiam deixar de lado. Para mim isso é sinal que o conteúdo da fé não interessa mais. E que o trabalho daqueles que tentam interpretar a fé, de retraduzi-la, de fazê-la compreensível – trabalho que deve ser refeito a cada geração -, no fundo não é necessário à Igreja. Mas, o que seria uma Igreja que diz aos seus teólogos que seus trabalhos já não a interessam mais? Isso significaria que todas as afirmações da fé seriam repetidas, como um papagaio repete palavras e perderiam, pouco a pouco seu sentido. Mas sabemos quanto é difícil fazer compreender o sentido real das afirmações teológicas ou doutrinais. Uma fé que se contente com a repetição, poderia, finalmente, dizer qualquer coisa, e não afetaria ninguém. Que haja três pessoas na Trindade, e não quatro, quem estaria interessado nisso?

Sophie: Talvez atrás desta pergunta, um pouco impertinente, há também a ideia de que a teologia complica as coisas. Isto é verdade?

Sesboüé: Isto pode ter sido verdade em certas épocas, notadamente aquela da nova escolástica do século XIX, da qual nós somos herdeiros. Pode-se pensar que ela colocou perguntas inúteis.

Sophie:O que é a escolástica?

Sesboüé:Na história da Igreja distingue-se a teologia dos Padres da Igreja do século I aos séculos VI ou VII. Depois, na Idade Média, se desenvolveu um certo número de escolas de teologia, que queriam ser mais científicas, mas também mais acadêmicas. Esta teologia escolástica dominou a Idade Média num esforço de explicações e reflexões mais interessantes. No século XVI, pensou-se que já se tinha especulado suficientemente, e voltamos à história, em particular com uma teologia de controvérsia entre católicos e protestantes. As questões eram colocadas no nível histórico, qual Igreja podia se dizer a verdadeira herdeira da Igreja primitiva? O século XVIII foi, para a teologia, um século de ausência, e foi, então, o grande século da filosofia, em particular do idealismo alemão, onde Kant, sobretudo, renovou a maneira de pensar. No século XIX, houve uma renovação teológica com a escola alemã de Thübingen. No meio do século XIX, o papa Leão XIII quis relançar uma nova teologia escolástica. A teologia envelhecida dos séculos XV-XVI já tinha colocado questões inúteis, e as reencontramos no século XIX em rumor teológico separado de uma fé popular. O século XX, ao contrário, foi um grande século teológico. Houve, na França, grandes teólogos, da família dominicana e na família jesuíta como o P. Congar e P. de Lubac e outros. Eles foram, verdadeiramente, os que lançaram uma nova teologia. Da minha parte, eu escrevi uma história dos dogmas entre 1992-1996. Na França, não havia desde 1907! Mas tinha aparecido muitas novidades na compreensão e interpretação dos dogmas.

Sophie: Temos, então, necessidade de teólogos para conhecer e compreender o conteúdo de nossa fé...

Sesboüé: Eu acredito que não temos o direito de dizer aos outros o que não se compreende claramente. Porque, ao usar algo disparatado, implica que outros não podem compreender. Isto se aplica aos pais que falam de sua fé às crianças. Se a criança faz uma pergunta que o adulto não entende bem, com precisão, ele deve responder: ‘Esta é uma questão difícil, eu vou me informar e te responderei mais tarde.’

Sophie: Isso significa que a Igreja tem necessidade de teólogos para redefinir o conteúdo da fé para cada época?

Sesboüé: Certamente! Isto porque a questão do vocabulário é muito importante. A linguagem do teólogo não pode não evoluir, ele deve ter a preocupação de ser compreendido. O problema é que houve uma espécie de separação, da qual a escolástica é um pouco responsável, entre a ciência teológica e a fé popular. Frequentemente os sermões que ouvimos são piedosos, mas não são muito teológicos. Eles não respondem às questões que o público se faz a si próprio, mas que não tem a coragem de dizer.

Sophie: Sem teologia, nossa fé se reduziria a uma forma de piedade?

Sesboüé: Sim. E uma piedade que não teria mais sentido. Não se pode pedir a um homem ou mulher de boa vontade que procure um sentido para sua existência, ou aderir a conceitos que ele ou ela não compreendem. O drama de nossa época é a perda de sentido. Paul Ricoeur já tinha dito isto nos anos 1970, no momento em que nós dispomos de mais comunicação, de meios, de procedimentos científicos, nós perdemos o sentido dos propósitos. A ausência de propósito e sentido de nossas existências é onde reside o mal estar das nossas vidas. E, eu diria, que atualmente a grande responsabilidade da Igreja é de tentar devolver sentido à vida. Que a nossa vida não seja uma série de pequenas felicidades passageiras. É normal desejar ser feliz e viver da melhor maneira possível. Mas, como dizia Levi-Strauss numa apresentação televisiva, ou bem o sentido está no homem ou o homem está no sentido. Tenho claro que o homem está no sentido.

Sophie: Sua vida foi toda dedicada à teologia, escreveu numerosos livros que serviram muito aos cristãos de hoje. A teologia lhe fez feliz?

Sesboüé: Sim, porque me permitiu responder a uma série de questões sobre as quais eu não via claramente no início.

 Matéria de Sophie de Villeneuve, obtida no programa ‘Mil perguntas sobre fé’ na Rádio Note Dame. Data: 30/11/2017. Em La Croix, 23/09/2021.

 Tradução livre de Marco Antonio Tourinho Furtado. E-mail: marco.tourin@gmail.com

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