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17/05/2019 Travis Knoll* Edição 3908 Buscar uma visão mais holística Sobre nosso país
"Como deveríamos continuar a viver nossa fé católica durante estas mudanças?"

Travis Knoll

Em janeiro, um novo governo - democraticamente eleito - assumiu as responsibilidades de governar um país colocado em crise econômica, política e social. O presidente eleito rejeita as inovações anti-discriminatórias marcando essas inciativas como novas formas de controlar a linguagem e doutrinar crianças.

Como os católicos devem responder ao novo presidente?  Em tempos de polarização política baseada nos personalismos  é fácil cair na pergunta: “Deve-se opor às agendas dele ou apoiá-las?” Mas a pergunta mais fiel seria: “Como deveríamos continuar a viver nossa fé católica durante estas mudanças? Como a vivência de nossa fé impactará, positivamente, nossa relação com a política atual?”

Por um lado, o presidente prometeu defender pautas sociais queridas tanto pelos católicos quanto por evangélicos. Católicos já terão um governo que coloca ênfase no papel da família, na educação tradicional sem inovações na questões de gênero, no respeito pela hierarquia e pela autoridade e um fim - por agora - ao debate sobre o aborto. Seus discursos apelam a grandes setores da sociedade pelo seu moralismo e oposição às questões ligadas à diversidade sexual.

 

Os desafios também são claros

O presidente eleito ganhou uma maioria acirrada entre os católicos apesar - ou talvez por causa da - sua crítica à Conferência Nacional de Bispos Brasileiros (CNBB)  e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI)  atacadas por ele como a “parte podre da Igreja” por defender a demarcação - e proteção - de terras indígenas e quilombolas. O presidente-eleito tem pouco domínio dos valores católicos quando se trata da economia e a dignidade humana pós-nascer. Ele viola certos preceitos fundamentais da dignidade humana com suas declarações sobre pobres e marginalizados , sua apologia a favor da violência e uso de armas e cortes aparentemente indiscriminados na educação básica e universitária.

Será a responsibilidade dos fiés serem tão crítico ao novo governo quanto eram quando um governo de esquerda estava no poder. Pois,  a Igreja não tem ideologias mas princípios que conduzem à verdade do Evangelho. Princípios que brotam da vida do Cristo e foram assumidos pela Igreja em sua Doutrina Social.

A Igreja não é partidária. O Padre Paschoal Rangel- muitas vezes um crítico feroz das ideologias de esquerda e de governos populares- viu em um católico democrático ex-prefeito Patrus Ananias, sua colega da PUC-Minas, um “testemunho cristão na política (09-15/02/97,3)” por seu trabalho junto com o Instituto Jacques Maritain e sua adesão ao valor católico da solidaridade. Diante da realidade reinante no país devemos lembrar que a pessoa conta mais do que o partido e cada um deve ser avaliado no seu próprio mérito integral.

 

Uma Igreja em saída

Mas não é suficiente reconhecer o que há de bom no seu adversário e chegar até uma civilidade política. Católicos - especialmente sob ataque - precisamos ser firmes em defesa dos nossos irmãos católicos que vão às ruas respondendo ao chamado do Papa Fransico por uma Igreja “em saída missionária”. Assim foi quando setores conservadores  e progresistas da Igreja se uniram para protestarem contra o tratamento de movimentos oriundos do catolicismo como Movimento Educação de Base e os vários movimentos estudiantis (Cf. O Lutador 07-2015, p. 8).

Eis a proposta do “2° Encontro Caminhos para uma Igreja em Saída” realizado no Centro de Formação e Líderes em Nova Iguaçu-antigo centro do grande bispo e pastor Adriano Hipólito- o dia 15 de novembro. Depois de uma apresentação do cenário social brasileiro pelo biblista popular Fransico Orifino, grupos de leigos dispersaram para falar dos desafios de reviver a Igreja profética tão vivenciada pelo Servo de Deus Dom Hélder Câmara. No grupo em que eu participei destacou-se  uma maior formação de padres rejeitando o clericalismo que dispensa a iniciativa dos leigos e leigas. Também vimos a necessidade para ir à periferia das periferias, resucitando a prática da grupos de reflexão da bíblia para construir comunidades enraizadas nas bases.

 

Desafio da violência

Pensando em como a igreja afastou-se das realidades das bases, pensei em nosso fracasso de ensinamento frente a violência que sofre o país. Como é que a maioria dos católicos votaram para cordeiros expiratório e uma solução violenta aos problemas sérios que enfrentam? Como é que -como Pedro- escolheram desembainhar a mesma  espada pela qual morreriam (Mat. 26:52)? Como conduzir uma “correção fraterna” quando líderes e seguidores ambos propõem “metralhar” (supostamente sem juizo) aos adversários como solução à disigualdade e criminalidade que parecem, às vezes, reinar no país?

Isto só será possível quando lembramos das palavras de martirado arcebispo de San Salvador São Oscar Romero - canonizado em outubro de 2018 - Ele-como todos os grandes líderes religiosos-combinou a grande devoção espiritual (teve fortes ligações com o grupo espiritual conservador Opus Dei) com uma voz profética que se destacou durante o início de uma guerra civil no El Salvador (1980-1992), entre grupos armados e o novo governo militar no país. No dia anterior à sua morte, pelas mãos de milícias, Romero lembrou à base do exército que “vocês matam aos seus próprios irmãos campesinos” e que, antes de dar ordem de matar, “deve reinar a lei que diz: não matar" (Ex 20:13). Mandou “as bases” das forças armadas “recuperar a sua consciência e que obedeçam antes á sua consciência que a ordem do pecado.”

O grande padre Paschoal e São Romero mostram algo imprendiscível nesse momento tão incerto. Como católicos não temos partido e não podemos servir a dois senhores. Nós temos de evitar a demonização dos nossos oponentes e também abraçar uma visão firme de" igreja em saída".

 

* Doutorando em história pela Duke University – EUA. Concentração na área da História da Igreja, Cultura e Política.

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