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20/12/2019 Leonardo Barreto* e Paulo Pereira** Edição 3917 Capitalismo ilícito Atividades ilegais das corporações farmacêuticas
F/ Guia da Farmácia
"Quais os limites da atuação lícita das corporações farmacêuticas transnacionais,..."

No dia 23 de abril de 2019, a distribuidora atacadista de medicamentos Rochester Drug Cooperative e seus ex-executivos, Laurence F. Doud III e William Pietruszewski foram formalmente acusados pelas autoridades federais dos EUA por conspiração para o tráfico de medicamentos opioides controlados (oxicodona e fentanil) que eram distribuídos para uso sem prescrição médica correspondente.

Este fato se insere no contexto da grave crise que os Estados Unidos enfrentam desde 1999 em decorrência da expansão do uso de opioides por parte de sua população. De acordo com o CDC - Centers for Disease Control and Prevention, de 1999 a 2017, mais de 700.000 pessoas morreram em decorrência de overdose de drogas, das quais quase 400.000 envolveram o uso de algum opioide. Em 2017 foi registrada uma média de 130 mortes diárias por overdose de opioides no país.

Tal expansão decorre, em grande medida, da evolução de um mercado lícito de medicamentos analgésicos opioides nas últimas duas décadas, estruturado em torno da articulação entre os interesses de grandes corporações farmacêuticas transnacionais e o governo estadunidense. Na contramão do senso comum, no entanto, para além da sua atuação no âmbito lícito, tais corporações parecem ter se envolvido também em atividades ilegais para a expansão deste mercado.

De fato, nas últimas décadas, a defesa dos seus interesses encontrou espaço nos mais altos níveis da estrutura governamental dos EUA. A relação entre controle e mercantilização das drogas desencadeou um mercado multibilionário no qual estas corporações desempenharam um papel central em diversos escândalos de corrupção e atos criminosos, tornando as fronteiras entre o lícito e o ilícito uma ficção útil. [...]

 

Marketing ilegal: Insys Therapeutics e Purdue Pharma

A lista é extensa. No início de maio deste ano, o ex-presidente da Insys Therapeutics, John Kapoor, foi condenado por pagamentos de propinas para médicos. Estes pagamentos tinham por objetivo aumentar o número de prescrições do medicamento Subsys, um spray de fentanil que pode ser 100 vezes mais potente do que a morfina. O spray havia sido aprovado pela FDA para o tratamento de dores em pacientes com câncer terminal, mas estava sendo receitado para diversos tipos de dores, inclusive crônicas.

Investigações ainda apontam que a equipe de vendas da Insys Therapeutics contratava representantes de vendas jovens e atraentes, incluindo ex-strippers, e as instruíam a seduzir e acariciar as mãos dos profissionais de saúde enquanto os convenciam da necessidade de aumento de prescrições destas receitas. A empresa também oferecia aos médicos altos valores por palestras em eventos médicos de pouca expressão na comunidade científica. A frequência de participação dos médicos nestas palestras lucrativas, que foram classificadas como pagamento de propinas pelos promotores, era diretamente relacionada com a frequência de prescrições do Subsys. Apenas em 2016 a empresa realizou 18.000 pagamentos para profissionais especializados no tratamento de dores de cabeça e das costas. [...]

 

Pressão pública e medidas de contenção

Apesar do alto número de mortes registrado por overdose também em decorrência do uso de drogas ilícitas advindas das organizações criminosas, as corporações farmacêuticas desempenharam uma função primordial na crise estadunidense. As estratégias corporativas que visavam a expansão do mercado de opioides no país foram concebidas nos últimos anos através de diversas táticas de marketing ilegal, omissão de efeitos colaterais e conluio com atores públicos em níveis estaduais e federal, principalmente com as agências responsáveis pela aprovação de novos medicamentos.

Neste cenário, duas questões surgem para debate: quais os limites da atuação lícita das corporações farmacêuticas transnacionais, ou, de maneira mais assertiva, a partir do momento que corporações estão conectadas com o tráfico ilícito de medicamentos e com outros diversos crimes, estes limites já existiram? O que já se sabe é que nas últimas duas décadas, o que era categorizado como lícito esteve constantemente em meios ilícitos e vice-versa.

* Docente do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP e do Programa de Pós-Graduação em Relação Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP)

** Pesquisador do GECI e mestrando do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP)

Fonte: Terra em Transe

 

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