34. CINZAS

“Jó apanhou um caco de louça para se coçar e sentou-se no meio da cinza.” (Jó 2,8)

Graças à solenidade da Quarta-feira de Cinzas, o católico já se acostumou a este símbolo de penitência e de luto. O fiel demonstra seu arrependimento cobrindo-se de cinza. Uma dor profunda se expressa pela mesma figura, como a lamentação de Jó: “Confundo-me com o pó e a cinza”. (Jó 30,19) É igual o lamento do salmista em tempo de desgraça: “Eu como cinza em vez de pão, com minha bebida misturo lágrimas”. (Sl 102,10)

Diante da pregação de Jonas e do anúncio da catástrofe iminente, o rei de Nínive “levantou-se de seu trono, tirou o seu manto, cingiu-se com um saco e assentou-se sobre a cinza”. (Jn 3,6b) Notar o contraste entre os símbolos de poder [trono e manto] e os sinais de humilhação [saco e cinza].

No Evangelho, Jesus vergastou a indiferença e a ausência de arrependimento em seus contemporâneos: “Se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres que em vós se realizaram, há muito se teriam convertido, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza”. (Mt 11,22)

Em certas passagens, a imagem da cinza conota humildade, como na oração do velho Abraão: “Eu me atrevo a falar ao meu Senhor, eu que sou poeira e cinza”. (Gn 18,27) Em outras, elas representam algo sem nenhum valor: “Vossas lições aprendidas são cinza, e vossas defesas, defesas de barro”. (Jó 13,12)

As cinzas são aquilo que resta depois do incêndio e da destruição, por isso representam a curta duração da vida humana, seu aspecto efêmero e passageiro: “Logo passaremos como quem não existiu; fumo é o sopro de nosso nariz, e o pensamento, centelha do coração que bate. Extinta ela, o corpo se tornará cinza.” (Sb 2,2-3) E a advertência do Eclesiástico: “De que se orgulha quem é terra e cinza, um ser que, vivendo, já tem as vísceras repugnantes?” (Eclo 10,9)

Enfim, quando Israel se afasta de Yahweh, a fonte da vida, seu destino se confunde com as cinzas: “Yahweh transformará a chuva da tua terra em pó e cinza, que descerá do céu sobre ti até que fiques em ruínas”. (Dt 28,24)

Alguns textos bíblicos: Jdt 4,16; Est 4,1; Sb 15,10; Is 44,20; Is 61,3; Dn 9,3; Hb 9,13.

 (Do livro “Uma voz na nuvem”, Ed. Cultor de Livros, 2021)