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19/05/2020 Robson Ribeiro De Oliveira Castro Edição 3924 COVID-19: Igreja de portas fechadas ou hospital de campanha?
F/ Canção Nova PT
"As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo."

COVID-19: Igreja de portas fechadas ou hospital de campanha?

Robson Ribeiro De Oliveira Castro* [robsonrcastro@yahoo.com.br]

 

A realidade mundial mudou. Ao nos depararmos com a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), nossa realidade mudou. As transformações são visíveis e cada vez mais urgentes. A velocidade com a qual o coronavírus se espalha pelo mundo é chocante. O mundo globalizado, as grandes aglomerações em aeroportos e outras realidades, promoveram a propagação do vírus.

 

A fragilidade humana

Encontramos a realidade de governos e líderes mundiais em busca de uma solução e uma vacina para este cenário tão caótico como o de uma guerra, ou melhor, com mortos superiores a uma guerra. Fato importante é que nos EUA, grande potencial bélico e um dos desejos da grande maioria dos sul-americanos já perdeu mais vidas que na guerra do Vietnã (de 1 de novembro de 1955 a 30 de abril de 1975, entre o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul, que batalhavam pela unificação do país).

Tal dado nos faz a refletir sobre a nossa fragilidade e a nossa real condição humana, o temo “real” é de fato, aquilo que nós, seres humanos, deixamos de fazer ou nos preocupamos com a realidade vivida sem antes ser uma realidade compartilhada.

 

Igreja “Hospital de campanha”

A Igreja presente em, praticamente, todos os lugares do mundo, precisa se fazer valer da sua missão: de ser uma luz para o mundo, através do Cristo, e agir. O que, muitas vezes observamos, é apenas um discurso teórico e cheio de especulações. Porém é preciso enaltecer o papel de líderes religiosos e comunidades que estão empenhadas em trabalhar mais neste período de pandemia do que em época anteriores.

O Papa Francisco manifestou o desejo de que a Igreja fosse um “Hospital de campanha”, local que aceita todos os feridos, sem distinção, comprometendo-se na prevenção, fazendo observar os diagnósticos e procurando agir com misericórdia diante dos ameaçados de morte e seus familiares... Pois, a Igreja é a primeira ferida diante desta desafiante realidade.

Nos alegra encontrar muitas igrejas abertas e muitas se oferecendo para cuidar dos mais frágeis e excluídos, dos sem teto e dos moradores de rua. Entretanto, diante deste cenário de grandes incertezas e riscos é preciso tomar decisões, que, de fato, se tornem um norte para todos os que buscam um alento em meio à pandemia.

 

Partilha as dores e alegrias do povo

Faço menção ao que nos apresenta o Concílio Vaticano II na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo contemporâneo, no seu primeiro parágrafo: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. E, não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no coração da Igreja. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação rumo ao Reino do Pai. Estes receberam a mensagem da salvação para comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história”. Esse é o caminho do cristão, aquele que diante da realidade sofrida procura recriar a prática do amor de Cristo. Atento ao seu chamado sabe que, sua vida é um bem sem precedentes e é única.

 

Salvar a vida ou a economia?

De forma equivocada e desesperada não encontramos, em determinadas lideranças, a ética necessária para agir em prol do povo e da realidade atual. A sociedade, com sua disputa por bens de consumo, faz do ser humano um escravo. A competição desenfreada a todo custo nos faz fantoches do mercado.

O que tem maior valor: a vida ou a economia? É a economia que está a serviço da vida ou vidas está à disposição da economia? Encontramos um capitalismo fortemente enrijecido, que não abre espaço para os mais necessitados. A economia, estando acima de tudo, fere um dos princípios éticos fundamentais que é a manutenção da vida e toda sua realidade. A cada dia morre mais pessoas por causa da fome, da desigualdade social, aumentando o número de vítimas do novo coronavírus.

É preciso revisitar a Constituição Gaudium et Spes quando está afirma, em seu paragrafo 65: “O desenvolvimento econômico deve permanecer sob a direção do homem; nem se deve deixar entregue só ao arbítrio de alguns poucos indivíduos ou grupos economicamente mais fortes ou só da comunidade política ou de algumas nações mais poderosas.”

Na nossa sociedade, a vida se tornou algo secundário, a falta de amor e comprometimento com o bem estar do outro, tem feito o ser humano tornar-se escravo do seu trabalho, apenas com a intenção de se enriquecer, porém se esquecem que Deus é o autor da vida e esse presente, que recebemos primeiro, é o mais importante.

A ganância do ser humano em busca do enriquecimento transforma os valores éticos, leva ao indiferentismo que faz ignorar o que está acontecendo com as famílias e com o mundo. A vida ser resume na busca da realização pessoal e individualista, sem abertura ao outro. Desta forma encontramos, facilmente, indivíduos que estão mais preocupados com o enriquecimento material do que com as relações humanas.

Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Francisco nos alerta sobre a “cultura do descartável”, que hoje é difundida pelo mundo e cultuada por muitos, além disso, há também a exclusão que fere a pertença do indivíduo à sociedade. Este já não é explorado, mas excluído da sociedade por múltiplas formas.

 

É preciso mudar as estruturas

Diante da realidade da pandemia, a Igreja precisa se portar como nos pede Cristo para que amemos uns aos outros (1 Jo 4,7) e acima de tudo, que sejamos irmãos e irmãs. Como responsável pela evangelização e atuação no mundo, a Igreja não pode se fechar em suas realidades e deixar de pensar em cada individuo que busca seu conselho.

O termo “hospital de campanha” é um chamado ético para a Igreja. Utilizando desta metáfora, o Papa Francisco nos faz refletir sobre o caminho a ser seguido. Ele se preocupa em relatar seu desagrado com a desvalorização do ser humano onde o lucro e o enriquecimento estão acima das relações que promovem a desigualdade social.

Francisco, em seu discurso no IIº Encontro Mundial dos movimentos populares, parte do seu programa de viagem ao Equador, Bolívia e Paraguai, em julho de 2015, asseverou contra as lideranças mundiais: “Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.”

O templo, casa material, deve ser o abrigo e alicerce para os que não têm nada. Nas periferias o numero de mortos já é grande, seja pelos problemas sociais ou pelo tráfico que já contabiliza suas mortes diárias, com a pandemia do COVID-19 esse número aumenta, uma vez que a infraestrutura dos hospitais não tem capacidade para tantos leitos e atendimento de casos extremamente graves.

Desta maneira, atendendo ao clamor e à necessidade, algumas igrejas se colocaram como hospitais de campanha, ou até mesmo como abrigo aos que mais precisavam! Assim, em momentos como esse, de grande calamidade e urgência, devemos nos ater mais a esta realidade e à convocação do evangelista que se preocupa com o outro e se faz irmão.

Devemos ser solidários, ainda mais porque somos cristãos e encontrar nos ensinamento de Cristo as Palavras para a nossa vida, pois o capitalismo atual, vai contra aquilo que Cristo nos apresentou de mais concreto: a distribuição das riquezas em prol dos mais necessitados, para que assim consigam suprir as necessidades que o Estado não consegue atender.

 

Cuidar da vida

Neste período de distanciamento social as Igrejas ficaram vazias, não é mais possível ir a celebrações, procissões e eventos religiosos. Tudo é feito virtualmente! Tudo é feito sobre os olhares das câmeras. Nossa companhia que antes era física; agora é virtual. Muitos encontraram uma oportunidade de dialogar mais, ouvir mais; outros de colocar em dia algum projeto do passado, ou se preocupar com o que realmente importa a nossa relação humana.

Com este cenário é um momento propício para rever nossas prioridades, continuar o real caminho pra uma reforma interna e das estruturas. O “hospital de campanha” também deve estar dentro de nós para que possamos acolher a quem chega e que não tenhamos medo de atuar nesta realidade tão devastadora e que nos dá tanto medo.

A realidade atual é de reformar as estruturas e se fazer uma nova criatura. Não se pode querer regressar ao passado e retornar a um mundo que já não existe mais. É preciso uma reestruturação física e espiritual. Olhar para frente descortinar sobre nossos olhos o verdadeiro caminho possível, pois só assim vamos conseguir ver, além da névoa da incerteza e insegurança o abraço fraterno e caloroso de Deus.

Há uma crescente globalização individualista, pela qual se acentua o interesse pessoal e fica comprometida a sadia relação humana, gerando a escravização e a desonestidade. Diante disso sobressai a importância de relações honestas e éticas devem ser pautadas em relações verdadeiramente humanas. De fato, com a realidade da pandemia, encontramos diversas posturas contraditórias: aqueles que se cuidam e se preocupam em preservar a própria vida e a de seus semelhantes e aqueles que desdenham da situação e colocam em risco a própria vida e a dos outros. É tempo de rever as prioridades, analisar as próprias atitudes e agir de maneira humana e responsável. Somos chamados a ser cuidadores da vida. Viemos para que todos tenham vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10).

 

Mudar a mentalidade

Diante de tal realidade o que nos assusta é o aumento devastador, a cada dia, das mortes. Não podemos passar diante desta realidade sem entender a real gravidade do assunto e da ameaça à vida humana. O elevado número de mortos e o descaso das autoridades denunciam que a prática evangélica do amor aos irmãos esta distante da nossa realidade. Jesus não obrigou a nenhuma ovelha a se “converter”, mas estava atento ao seu clamor e disposto a se sacrificar para defender a sua vida e vir em seu auxílio.

A realidade vivida neste período de distanciamento (isolamento) social nos coloca frente aos mais fortes e ocultos clamores da vida. Devemos observar nosso caminho e nossa realidade para que, diante de uma análise crítica e coerente, possamos traçar metas e mudar nosso modo de agir.

O maior desafio é mudar a nossa mentalidade, tentar construir novas relações com a intenção de acabar com as violações dos direitos humanos e promover uma nova realidade, não deixando assim que os valores se invertam. A vida está sempre em primeiro lugar.

Devemos viver a solidariedade para com o próximo e que o ecumenismo seja a nossa espada na luta contra a desigualdade e os abusos, sendo testemunhas da verdade e do amor de Deus, que nos quer como irmãos, vivendo uma economia solidária, a favor da vida, contra os ídolos do capital que leva à morte. Que possamos entender os ensinamentos de Cristo que se colocou a serviço da vida é quer que sigamos o seu exemplo. Para isso é preciso uma nova mentalidade: “Amar como Jesus amou, pensar como Jesus pensou...”

 

* Leigo de Juiz de Fora-MG, pai de família, Mestre em Teologia pela FAJE-BH

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