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16/12/2019 Maria Edição 3917 Cumprimentos
F/ Yázigi
"- Sôs Cristo... Hoje, penso que seria Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!"

Cresci ouvindo as pessoas se cumprimentarem com certa cerimônia, quase um ritual. Meus pais tinham muitos afilhados em Estrela: de casamento, de batismo, de crisma ou de... coração. Ser padrinho, naquela época, era ser mais que parente! Compadre, comadre... era um título muito especial. Quando chegavam a nossa casa, tinham privilégios reservados a pessoas ilustres: jogo de jarro e bacia de louça para lavarem as mãos e toalhas de barra bordada. Almofadas que só saíam do armário para o médico, o padre ou o Bispo. Refeições na mesa da copa, diferentemente das refeições alegres na mesa grande da cozinha, com a comida farta servida nas panelas pretas ou barreladas de cinza...

Havia um compadre que nos matava de nojo com seu hábito de cuspir no assoalho o tempo todo... Quando ele saía, a água já estava pronta para esfregar as tábuas largas da sala...

Os meninos do compadre chupavam picolé – coisa moderna demais – o tempo todo, lambuzando a roupa, sujando tudo, melecando o que achassem por perto... E... ai de quem ousasse dar um pio de desaprovação!

Pois esses compadres, ricos, sistemáticos, chegavam e cumprimentavam meus pais de maneira formal, respeitosa e com um palavreado que era em latim, do mais vulgar, do mais sertanejo, do qual a gente só percebia o final da longa saudação:

- Sôs Cristo... Hoje, penso que seria Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Aos poucos, já havia os apertos de mão, bem de longe, os compadres tesos, quase fazendo continência. Mas o que me encantava mesmo era o cumprimento charmoso e elegante do toque no chapéu: os cavalheiros jamais se aproximavam de uma dama sem antes cumprimentá-la com um ligeiro toque na aba do chapéu. Dizem que, antes disso, literalmente, se descobriam ao cumprimentar pessoas idosas e senhoras... Tempo bento!

Depois, chegou-se à batidinha nas costas que, devagar, transformou-se em abraços, também muito discretos, acompanhados de caras sérias dos compadres, como se estivessem em uma missão importante, oficial...

Nesse tempo, Goiás era outro fim de mundo: quem ia pra lá, sumia! Não havia a Cora Coralina ainda, nem muito menos Brasília. Goiás era a terra-do-nunca. Pois então. Tínhamos um conhecido que foi para lá, com a família, e que voltou, depois de um tempão. Entre as novidades, trazia o beija-mão, cumprimento novidadeiro que espantava os mineiros de cara séria e desconfiada.

Mas que foi divertido, isso foi! Nós, as mocinhas, fazíamos fila para cumprimentar o Sô Avelino, só para termos o gosto de ganhar o beija-mão e, depois, esconder para rir, rir, rir... As mulheres casadas estavam seriamente proibidas de se avistarem com o Sô Avelino...

Também uma parenta de minha mãe, que se mudara para Uberaba com a família, chegou com outro salamaleque: um beijinho na face que, à boca pequena, era um beijinho preguento, gelado, parecendo uma perereca do brejo que se perdia e pulava na gente. Pois também para essa parenta fazíamos fila e depois ainda arranjávamos amigas desprevenidas para conhecerem a parenta de Uberaba. E era de se ver o espanto e o vexame quando a perereca do brejo pregava na face da amiga...

Bem mais tarde, não sei de onde veio a moda, apareceram os dois beijinhos, jogados ao vento, diferentes dos beijinhos que minha parenta pespegava no rosto da gente. E, depois, ainda arranjaram a expressão:

- Humm... Humm... Dois pra casar...

Agora, arranjaram um passa-mão nas costas, enquanto jogam os beijinhos ao vento. Mãos de cima-abaixo, de baixo-acima das costas, um costume que não tem nem um pouco a cara dos mineiros.

Pior, inventaram um rodopio, tipo de dança, sem sair do lugar, uma verdadeira maratona. Fico meio sem jeito, setentona, embarcar nos braços da modernidade...

Ainda não cheguei ao passa-mão nem à valsinha. Mas penso que não demoro a estrear tais modernices, porque o par tem que entrar no uso, senão fica meio fora da roda...

Santo Deus, e pensar que muita gente vai me ler e vai pensar que a MARIA está passando dos limites, está falando que o povo mineiro é caipira. Não, não falo por Minas Gerais – que são muitas -, falo pelas bandas de cá, das Gerais onde vivo e aprecio o mundo. Nós não somos caipiras, como já proclamou um Presidente da República, somos diferentes...

E tem mais na história dos cumprimentos, aqueles mais leves, apressados, de quem não tem tempo para parar:

- Ei, D. Branca, tudo bem?

- Tudo bem, obrigada... (Aí vem o resto que já está se transformando em fórmula de cortesia)

- Ah! Então bom!

- É...

- Fica com Deus!

- Amém!

- Até amanhã!

- Até!

- Se Deus quiser!

- Ele vai querer!...

 

(Do livro “Horas mágicas”, Ed. O Lutador, Belo Horizonte)

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