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30/03/2020 Carlos Scheid   Edição 3922 De teólogos e teófilos
F/ Pixabay
"Afinal, quem é o Teófilo? É aquele que ama a Deus. "

 

Parece que existem várias maneiras de se relacionar com Deus. Alguns usam sua mente e transformam Deus em objeto de estudo. Outros preferem usar o coração: são os “teófilos”.

Quando São Lucas escreveu os Atos dos Apóstolos, historiando os primeiros passos da Igreja, ele não se dirigiu a teólogos, mas a um tal Teófilo: “No meu primeiro livro, ó Teófilo, tratei de tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo até o dia em que foi elevado ao céu, depois de ter dado instruções, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que havia escolhido”. (At 1,1-2)

Já na abertura de seu “primeiro livro”, o Evangelho, Lucas endereçava à mesma personagem a sua narrativa: “Visto que muitos empreenderam compor uma narração dos fatos que entre nós se consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da Palavra, resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem, expô-los a ti por escrito e pela sua ordem, caríssimo Teófilo, a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste instruído”. (Lc 1,1-4)

Afinal, quem é o Teófilo? É aquele que ama a Deus. A raiz grega indica que se trata de um amor de amigo, resultado de uma escolha pessoal. E é uma escolha que elimina e repele outras possíveis escolhas, tais como a fama, o sucesso e o dinheiro, entre outros ídolos de plantão.

São Francisco de Sales, Bispo de Annecy, Suíça, no início do Séc. XVII, é o autor de um clássico da espiritualidade, intitulado “Introdução à vida devota”. Na verdade, um best-seller católico. A obra é dirigida a “Filoteia”, isto é, uma alma amiga de Deus, interessada em viver as virtudes cristãs e superar as ciladas do maligno.

Logo de início, o autor adverte: “A verdadeira devoção, Filoteia, pressupõe o amor de Deus, ou melhor, ela mesma é o mais perfeito amor a Deus. Esse amor chama-se graça, porque adereça a nossa alma e a torna bela aos olhos de Deus. Se nos dá força e vigor para praticar o bem, assume o nome de caridade. E, se nos faz praticar o bem frequente, pronta e cuidadosamente, chama-se devoção e atinge, então, o maior grau de perfeição”.

Infelizmente, a “devoção verdadeira” – o amor a Deus – não se aprende nos cursos de teologia, onde o refinamento mental sufoca as expansões cordiais. Nossos seminários, com louváveis exceções – concentram a formação dos futuros presbíteros no conhecimento teológico. Mesmo os fiéis não ordenados têm sido convidados a participarem de cursos de “teologia para leigos”. Ali, o Evangelho é analisado, dissecado, liofilizado e perde aquele sabor de uma Palavra “de coração a coração”. Ao final da dissecção anatômica, resta um cadáver...

Também o apóstolo Paulo teve os seus “teófilos”. Um deles foi Timóteo, a quem escreve: “Recordo-me da fé sincera que há em ti, fé que habitou, primeiro, em tua avó Loide e em tua mãe Eunice, e que certamente também habita em ti”. Trata-se de uma experiência de Deus vivenciada no berço familiar, algo que a cultura livresca não pôde dar.

Depois de aconselhar o discípulo a buscar “a justiça, a fé, o amor, a paz com aqueles que invocam o Senhor, de coração puro” (2Tm 2,22), Paulo exorta: “Evita as discussões tolas e descabidas, sabendo que geram rixas”. Imagino o que diria o mesmo apóstolo se passasse entre nós, nestes tempos de tantas teologias – do trabalho, do corpo, da história, da missão – quando as discussões estéreis nada refletem do intercâmbio amoroso que era de se esperar entre o Amor e os amados...

Como pano de fundo, as lágrimas de outro Francisco, pisando de pés nus as pedras de Assis: “O Amor não é amado!” E, melhor ainda, mais perto de nós, a confissão da menininha de Lisieux em sua primeira comunhão, aos onze anos de idade: “Ah! Como foi doce o primeiro beijo de Jesus à minha alma! Foi um beijo de amor, sentia-me amada e dizia também: ‘Amo-vos, dou-me a vós para sempre’”.

E se tivéssemos, em vez de cursos de teologia, um curso de teofilia?

 

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