38. DESERTO

“Agora, eu é que vou seduzi-la, levando-a para o deserto

e falando-lhe ao coração.” (Os 2,16)

Paisagem rara para nós, ocidentais, o deserto é inseparável do povo da Bíblia. É verdade que o deserto pode ser símbolo de solidão, de esterilidade, de provação – temas que nos parecem negativos -, mas ele é também o lugar do encontro com Deus.

No deserto, sem água e sem frutos a colher, em contraste com a terra cultivada, o homem aprende a viver na dependência de Deus. O deserto favorece a descoberta da Providência divina. Na caminhada do Êxodo, os hebreus são alimentados na região árida com o maná enviado por Deus (cf. Ex 16,13ss) e com a água que brota da rocha (cf. Nm 20,11).

Foi assim com o profeta Elias, já sem forças, alimentado pelo anjo com um pão cozido sobre pedras (cf. 1Rs 19,6-8) e reanimado para seguir até o monte Horeb; onde ele percebe a presença de Yahweh na brisa mansa (cf. 1Rs 19,12).

O cenário vazio do deserto, sem a presença de homens e animais, pode abrir espaço para uma teofania, uma manifestação sensível de Deus. É a experiência de Moisés na sarça ardente (cf. Ex 3,2ss) e na recepção do Decálogo, no Sinai, entre relâmpagos e nuvens de fumaça (cf. Ex 19,16-18).

Os profetas se esforçam por manter acesa a memória da ação de Deus no deserto, em favor de seu povo: “Ele nos fez sair do país do Egito e foi nosso guia no deserto, em uma terra de estepes e perigos, país de seca e de sombra mortal, onde ninguém passa nem mora”. (Jr 2,6) Também o salmista recorda: “Ele guiou o seu povo no deserto, porque seu amor é para sempre!” (Sl 136,16)

Na Bíblia, a imagem do deserto pode aparecer como lugar de provação e convite à conversão depois de uma vida infiel (cf. Is 13,21; Is 34, 9-10; Os 2,6), mas não demora a promessa de restauração para uma vida nova: “Alegrem-se o deserto e a terra seca, rejubile-se a estepe e floresça”. (Is 35,1)

O deserto é lugar de oração e intimidade com Deus. Ali cresceu João Batista, entre as feras (cf. Mt 3,1.4; Lc 1,80); no deserto Jesus venceu a tríplice tentação (cf. Mt 4) e ali Jesus se retirava para orar ao Pai (cf. Mc 1,35; Lc 6,12). Em local igualmente deserto, Jesus alimentou a multidão e multiplicou os pães que apontavam para a Eucaristia (cf. Mt 14,13).

Alguns textos bíblicos: Ex 14,11; Dt 8,2; Sl 78,40; Sl 107,33-34; Is 5,6; Is 41,18-19; Mt 15,33.

(Do livro “Uma voz na nuvem”, Ed. Cultor de Livros, 2021)