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09/12/2023 Joana Puntel Edição 3966 Documento Inter Mirifica, recordar por quê?
F/ Pixabay
"Os vinte e quatro artigos que compõem o Inter Mirifica foram aprovados quase no final da segunda sessão do Concílio, já sob a presidência de Paulo VI. [...] São deveres que a Igreja considera como princípios a serem levados em consideração, como, por exemplo, o direito à informação"
 
Exatamente há 56 anos, no 4 de dezembro de 1963, o segundo dos 16 documentos do Concílio Vaticano II, o Inter Mirifica era aprovado, assinalando a primeira vez que a Igreja, de modo formal e “solene” voltava-se para a questão da comunicação.

Embora reduzido de 114 artigos para 24 (é o menor documento do Concílio Vaticano II), o Inter Mirifica  significa a aceitação oficial da comunicação, pela primeira vez por parte da Igreja. A importância refere-se, sobretudo, ao fato da “aceitação oficial”, que pode ser entendida como uma ”legitimação” para o uso dos meios pela Igreja. Somente este fato corresponde ao valor imprescindível do decreto, pois este se apresenta como uma espécie de “divisor de águas”, se levarmos em conta a trajetória anterior da relação Igreja-comunicação, desenvolvida em diferentes épocas e, praticamente sem diálogo com a cultura em muitas áreas, como a da comunicação. Já na Introdução do documento, o Inter Mirifica assegura para a Igreja universal a obrigação e o direito de a Igreja utilizar os instrumentos de comunicação social. Havia, agora, uma posição oficial da Igreja sobre o assunto.

Querendo referir-se a todas as tecnologias de comunicação, mas também ao ser humano, o documento usou um conceito de tecnologia que não se atinha apenas às técnicas ou à difusão destas, mas incluía os atos humanos decorrentes que são, no fundo, a principal preocupação da Igreja no seu trabalho pastoral. A Igreja quis assumir, assim, uma visão mais otimista da comunicação frente às “questões sociais”, pois a comunicação não pode reduzir-se a simples instrumentos técnicos de transmissão, mas deve ser considerada como um processo de relacionalidade entre as pessoas. Assim, a Igreja optou pela terminologia “comunicação social” preferindo-a a outras expressões que pareciam ambíguas, ou redutivas.

Tal intenção foi, sem dúvida importante, mas ao longo de sua história e, ainda hoje, a Igreja continua, em grande parte, “presa” ao discurso dos instrumentos, à utilização das técnicas, enquanto o discurso da comunicação já se tornou mais amplo e complexo, incluindo uma gama de variedades e interferências na cultura  midiática e já digital.

Na análise detalhada de Ernesto Baragli (membro da Comissão Preparatória-L´Inter Mirifica, p. 308), no decreto, os padres conciliares, reconhecem a ambivalência cultural, social e moral dos meios de comunicação social. E dois dados de fato estavam presentes nas mentes dos participantes do Vaticano II; “primeiro, que se trata de realidades muito complexas; segundo, que as mesmas implicam comportamentos humanos e sociais a respeito do que, mesmo fora do âmbito conciliar, é difícil qualquer juízo apriorístico e definitivo, sobretudo quando os fenômenos estão ainda na fase inicial e, portanto, explosiva”.

Os vinte e quatro artigos que compõem o Inter Mirifica foram aprovados quase no final da segunda sessão do Concílio, já sob a presidência de Paulo VI. O texto se divide em dois capítulos: o primeiro trata das normas para o correto uso dos meios de comunicação social. São deveres que a Igreja considera como princípios a serem levados em consideração, como, por exemplo, o direito à informação (tema candente na época de 1960; hoje, ainda a exigência da temática “informação”, mas já a reflexão sobre as fake news e a “desinformação da informação”).

O capítulo 2 do decreto aborda “os meios de comunicação social e o apostolado”. E o ponto de partida, sem acrescentar inovações em  relação às recomendações de documentos romanos anteriores, volta-se para a ação pastoral, incentivando todos os católicos a que promovam (art. 14) e sustentem (art. 17) a boa imprensa,  produzam e exibam excelentes filmes; deem eficaz ajuda à boa transmissão de rádio e televisão. Para alcançar tal objetivo, é preciso formar os autores, atore s e críticos (art. 15), bem como os usuários (art. 16). As orientações da Igreja, contidas neste capítulo, são princípios “que  não envelhecem” e aplicam-se a toda a extensão de inovações tecnológicas-digitais em contínua evolução.

Avanços

Apesar da brevidade do documento conciliar, é preciso e justo ressaltar alguns avanços:

  • primeiramente, trata-se de um documento do Concílio Vaticano II. Assim, na consideração de Ismar Soares, podemos dizer que o tema da comunicação ganhou cidadania e independência na Igreja. O fato tem relevância e passa a ser importante, levando-se em consideração que os padres presentes ao Concílio estavam (por questão de formação ou de prática pastoral) preocupados com outros temas, julgados controvertidos ou essenciais  ao aggiornamento desejado por João XXIII.
  • A Igreja reconheceu o direito à informação, no artigo 5.
  • Diante do conteúdo duvidoso, deu preferência à escolha livre e pessoal, em vez da censura proibitiva, no artigo 9.
  • Incluiu na prática pastoral o dever da formação pessoal do receptor (art. 9), com a consequente indicação das formas para consegui-la (art. 16). Tal recomendação abriu caminho para a ênfase de documentos posteriores sobre a comunicação incentivarem a necessidade de formação para a comunicação, ultrapassando o reducionismo do uso dos meios, isto é, levando em consideração a cultura, o diálogo entre a fé e a cultura, com novos paradigmas, novos processos comunicativos na sociedade contemporânea.
  • Elevou os meios, da categoria de subsídios acessórios ao lugar privilegiado de meios indispensáveis ao magistério ordinário e ao serviço da evangelização (artigos 13, 14 e 17).
  • O incentivo para estabelecer um Dia anual para o estudo, a reflexão, análise, ação e oração no que concerne à comunicação (artigo 18).
  • O pedido para que se criasse um secretariado na Santa Sé especializado na questão da comunicação (hoje já dentro de nova estrutura), pode ser, também, considerado “avanço”, pois é de grande auxílio para o desenvolvimento do entender da Igreja sobre a comunicação, especialmente nestes últimos tempos, a cultura digital.

Cantinho das sugestões, para refletir e aprofundar a temática:

BARAGLI, Enrico. L´Inter Mirifica. Roma: Studio Romano della Comunicazione  Sociale, 1969.

DECRETO CONCILIAR Inter Mirifica: sobre os meios de comunicação social.  São Paulo: Paulinas, 1965.

PUNTEL, Joana T. Inter Mirifica: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2012.

___________  Comunicação: diálogo dos saberes na cultura midiática. São Paulo: Paulinas/SEPAC, 2010.

Ir. Joana T. Puntel, fsp - Jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, membro do Grupo de Reflexão da CNBB (GRECOM), pesquisadora na área de comunicação, Cultura e Igreja.

 Fonte: Pascon Brasil

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