Segunda metade dos anos 80. Um casal do ECC fala do filho, mau estudante, rebelde e cercado de más companhias. Pedem que eu tenha uma conversa com o adolescente. Acho que tivemos duas ou três “conversinhas”. Foi fácil notar que era um bom garoto, mas de alma vazia. Encaminhamos o diálogo para a pessoa de Jesus Cristo. Sugerimos a leitura do Evangelho. Parece que o garoto gostou da proposta.
Um mês depois, voltam os pais. Embora o filho tivesse deixado as más companhias e mostrasse mais dedicação na escola, eles tinham outra queixa: o filho estava lendo demais a Bíblia. Nem queria ver televisão. E rebatiam: “Assim não dá...”
Apenas um episódio entre tantos outros, mas com uma constante que se repete: quando Jesus entra na vida de alguém, passa a incomodar muita gente. Mesmo sem fazer nenhum discurso de proselitismo, o “convertido” incomoda simplesmente por assumir um novo modelo de vida. Acaba sendo uma denúncia silenciosa pelo contraste com a vida mundana.
Há uma passagem do Evangelho que sempre me chamou a atenção. Em Mateus 8, 28ss, Jesus expulsa os demônios que possuíam dois homens na região dos gadarenos. Como os maus espíritos fizessem o pedido, Jesus autorizou que eles entrassem nos porcos que pastavam junto à falésia do mar. De imediato, o rebanho se precipitou no abismo e os animais morreram.
Informados do acontecido, vieram os gadarenos e suplicaram a Jesus que se retirasse de sua região. Era uma presença incômoda para eles. Sim, Jesus curava os doentes, libertava os endemoniados, mas... dava prejuízo...
Aqui e ali, a mídia anuncia tentativas de arrancar os crucifixos da parede de locais públicos, em nome do espírito republicano ou da igualdade entre os credos. Em uma cidade próxima do meu quintal, o juiz da comarca mandou amarrar o badalo do sino da igreja, proibindo os chamados para a missa. No fundo, o mesmo incômodo com a presença do Crucificado.
Como escreve Hébert Roux, preferem permanecer com seus possessos e seus doentes, preferem a desordem estabelecida, e que os loucos continuem loucos, antes que acolher esse tal perturbador e correr o risco de sua companhia. E diz mais: “A partir do momento em que Jesus intervém de maneira muito concreta e mexe com a tranquilidade ordinária da existência deles, é melhor mantê-lo à distância, pois será impossível dormir tranquilo com ele por perto se os loucos se tornam sábios e os porcos se lançam no mar”.
Pobre Cristo! Nunca imaginou que seria essa presença incômoda!