Formação Espiritualidade
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08/06/2023 Ir. Dione Afonso, SDN Edição 3960 Eucaristia e Fratelli Tutti: o cuidado com os fragilizados de nossas comunidades Uma chave de leitura da Carta Encíclica sob a ótica da Eucaristia
F/Comunidades de Base
"Se ainda falta a fraternidade entre nós é porque ainda precisamos trabalhar mais em nossas ações os sentimentos e a vida eucarística. A Fratelli Tutti vem nos dizer que ela só é possível se houver uma ação eucarística viva e participativa entre nós. Se nós formos capazes, de fato, de sermos eucaristias vivas, ou como cantamos, “sermos hóstias também” na vida do povo, entre o povo, com o povo, para o povo, para o pobre, o fraco, o doente, os vulneráveis em nossas comunidades."

1. Motivações

Com oito anos de pontificado, nasce a Carta Encíclica Fratelli Tutti [“Todos Irmãos”], do Papa Francisco. Assinada junto ao túmulo de São Francisco de Assis, a 03 de outubro de 2020, véspera de sua Memória. Hoje, nestes 10 anos de pontificado do Papa Francisco vale mencionar que este novo texto amarra, através do conceito e da prática da fraternidade, toda a trajetória de sua missão como bispo de Roma e líder de toda a igreja. Para Francisco a fraternidade é a chave para erradicar todos os males que assolam e matam nossos irmãos e irmãs de todo o mundo; a fraternidade é a única saída possível capaz de pôr fim às guerras e instaurar, definitivamente, a paz entre nós.

É a fraternidade o primeiro tema de seu pontificado:

"Todos, bem sabem, que era missão dos bispos, reunidos em Conclave, eleger um Bispo para Roma. Contudo, eles o buscaram no fim do mundo, mas, AQUI ESTOU! Rezemos sempre por nós, uns pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Rezem por mim” (primeiras palavras proferidas por Dom Jorge Mario Bergoglio eleito papa em 13 de março de 2013 diante da praça S. Pedro).

Fratelli Tutti, quer dizer: “TODOS IRMÃOS”, ou seja, “indica uma fraternidade que se estende não só aos seres humanos, mas imediatamente também à terra, em plena sintonia com a outra encíclica, a Laudato Si’”. Fraternidade não é apenas uma emoção, um sentimento e nem se trata de uma grande ideia. Mas é um fato, uma ação. Fraternidade é movimento. É sair de si. É ir, é liberdade. Fraternidade é se perguntar: “de quem eu me faço irmão?”.

Neste pequeno ensaio, propomos reler a Carta Encíclica sob a ótica da Eucaristia. Sacramento de comunhão, de amor, de sacrifício, de fé e, acima de tudo, de fraternidade. Se ainda falta a fraternidade entre nós é porque ainda precisamos trabalhar mais em nossas ações os sentimentos e a vida eucarística. Somos convidados a ir muito além da fila da comunhão, ou da participação piedosa e sagrada dos atos e ritos litúrgicos que consagram o pão e o vinho e se tornam para nós “sacramento da Salvação”. A Fratelli Tutti vem nos dizer que ela só é possível se houver uma ação eucarística viva e participativa entre nós. Se nós formos capazes, de fato, de sermos eucaristias vivas, ou como cantamos, “sermos hóstias também” na vida do povo, entre o povo, com o povo, para o povo, para o pobre, o fraco, o doente, os vulneráveis em nossas comunidades.

 

2. Falar do Amor (Fraterno) a partir do Sacramento do Amor

A grande centralidade da Carta Encíclica Fratelli Tutti é o cuidado com o fraco. Cuidar da fragilidade. Quem compreender isso, compreendeu o mais profundo desejo do Papa e entendeu qual é a sua verdadeira missão como cristão e como cristã. É cuidar do fraco, do vulnerável, do que tem dificuldades, do que corre risco de extermínio. E esse frágil se estende desde à pessoa humana, seja criança, homem, mulher, adulto, jovem, idoso, até à natureza, as matas, a nossa água, nossa cidade, nossa terra, nossa Casa Comum, e indo mais além, às nossas organizações sociais e instituições: empresas, paróquias, famílias, institutos, patronatos...

Nas páginas dos evangelistas, a Eucaristia é o Banquete da Vida. A Mesa do pão, partilhada e anunciada a todos. Nela, ninguém passa fome e dela, ninguém é excluído. O Senhor se oferece e sacia a sede e a fome de todos que dela se aproximam. Na Eucaristia se dá a manifestação do amor de Deus para conosco. A força transformadora da Eucaristia nos leva a enfrentar os desafios da sociedade atual. Os males e os desafios que ameaçam esses frágeis que citamos acima. Em Lucas, Jesus nos desafia a banquetear “com os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos, pois, com eles alegrar-se-á, estes não têm como te retribuir” (cf. Lc 14, 13-14).

Vale relembrar, também, que a Eucaristia faz parte dos quatro pilares que fundamentam a formação e a permanência de pequenas comunidades cristãs. Era assim com as primeiras comunidades, a Igreja Nascente: “eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações(cf. Atos 2, 42). “Partir o Pão”, quer dizer, distribuí-lo, dar, ofertar. Quem assim age, sacia a fome do povo e acolhe o faminto, o fraco.

A fidelidade a Deus e ao seu projeto reflete-se no quanto cada um de nós somos fieis às nossas comunidades e estas ao Reino. Quando falamos de “sentimentos eucarísticos”, desejamos expressar algo que vai além do sentimentalismo e que possa tocar, preencher e dar sentido à vida e à missão. Algo que brote do coração sincero e fraterno. Na abertura da Fratelli Tutti, encontramos o conceito de uma fraternidade aberta “que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente de sua proximidade física, do ponto da terra em que cada uma nasceu ou habita” (FT, 1). Esta tal fidelidade também é proporcional ao amor pelos irmãos, um sentimento eucarístico que se alimenta de uma Eucaristia que é celebrada e vivida na concretude das nossas vidas.

 

3. Os sentimentos eucarísticos: chave de leitura para a realização da Fratelli Tutti

A Eucaristia, enquanto Sacramento, ela é mais que um sinal de Deus entre nós, ela é o próprio Céu que habita em nós; é o Cristo, doado, morto, sacrificado que passa a habitar entre nós; o amor, a acolhida, o alimento que nos completa. Cada celebração eucarística deveria nos questionar diante de Deus e levar-nos a partir o pão com os irmãos. Não se pode dizer que ama a Deus se não se ama o irmão: “quem não ama o próprio irmão a quem vê, não pode amar a Deus que não vê” (1Jo 4,20). Por isso que vamos elucidar alguns “sentimentos eucarísticos” que compreende a Carta Encíclica Fratelli Tutti como regra eucarística de vida e de missão em exercer, entre nós, a fraternidade: “vós sois todos irmãos” (cf. Mt 23, 8).

 

3.1. SÓ É POSSÍVEL A EUCARISTIA SE HOUVER COMUNIDADE (RE)UNIDA

"Conta Jesus que havia um homem ferido, estendido por terra no caminho, que fora assaltado. Passaram vários ao seu lado, mas, foram embora, não pararam. Eram pessoas com funções importantes na sociedade, que não tinham no coração o amor pelo Bem Comum. Não foram capazes de perder uns minutos para cuidar do ferido ou, pelo menos, procurar ajuda" (FT, 63).

O início da parábola, contada por Jesus, (Lc 10, 26-29), revela que os especialistas, os entendidos, conheciam a teoria, mas estavam longe da prática!

Nossas comunidades, atualmente, vivem o drama do baixo número de fieis que desejam se dedicar nos Ministérios Leigos. E os poucos que têm, encontram dificuldades na oração ou caem na triste tentação de viver uma espiritualidade mágica ancorada na veste bonita ou Rito perfeito e nas orações vendidas pelo comércio religioso que pouco fala da sua própria vida e nada deixa Deus falar a nós e conosco.

PROXIMIDADE – Um sentimento eucarístico. “Quem é meu próximo?” (Lc 10, 29), a pergunta nos leva a pensar: para onde a Eucaristia aponta? A Eucaristia inclui, não seleciona, não escolhe, nos aproxima e ama. Abre o coração para o outro (o pobre, o doente, o machucado, o caído na calçada, à beira do caminho, o vulnerável, o excluído, o invisível socialmente).

 

3.2. SÓ É POSSÍVEL A EUCARISTIA SE HOUVER FRATERNIDADE

"Um parou, ofereceu-lhe proximidade, curou-o com as próprias mãos, pôs também dinheiro do seu bolso e ocupou-se dele. Sobretudo deu-lhe algo que, neste mundo apressado, regateamos tanto: deu-lhe o seu tempo" (FT, 63).

Em seguida, Jesus insere, na história seus personagens: dois homens “de igreja”, quer dizer, atuantes na comunidade (Lc 10, 30-34), mas distantes, longe da “vida de comunidade”.

A vida apressada atinge em cheio as nossas comunidades. O samaritano que se pôs a ajudar o ferido na estrada exerceu a mais bela função eucarística que a Igreja pode nos transmitir: o cuidado com o fraco. Aí está a verdadeira Amizade Social, que é algo que só se torna possível pela fraternidade. Afasta-nos do sentimentalismo e abraça o BEM COMUM como tarefa fundamental humana. A fraternidade não queima o tempo; em vez disso, ocupa o tempo. REQUER TEMPO. A fraternidade “perde” tempo; e ao perder, o ganha em dobro, porque gastou com um irmão, com quem se fez próximo.

COMPAIXÃO – Um sentimento eucarístico. “Chegou perto, viu e teve compaixão?” (Lc 10, 33). Sentir a dor do outro; colocar-se no lugar dele: isso é compaixão. Sentir com o coração. Mover o próprio coração, os próprios sentimentos para acolher os sentimentos da eucaristia – salvar o outro.

 

3.3. SÓ É POSSÍVEL A EUCARISTIA SE HOUVER AMIZADE SOCIAL

"Tinha certamente os seus planos para aproveitar aquele dia a bem das suas necessidades, compromissos ou desejos. Mas conseguiu deixar tudo de lado à vista do ferido e, sem conhece-lo, considerou-o digno de lhe dedicar o seu tempo" (FT, 63).

Por fim, Jesus encerra sua “historinha” (Lc 10, 35-37) devolvendo a nós a pergunta inicial: “qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10, 36). É preciso caminharmos para “uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros” (FT, 96).

Um dos males que mais ameaça e destrói nossas relações e nossas comunidades é a fofoca. O cochicho de canto de rua, de canto de janela é um pecado mortal. No WhatsApp nos esforçamos ao máximo para espalhar aquela historinha que maltrata e fere a vida pessoal de alguém. Espalhamos coisas mentirosas, fake news todos os dias sem nos importar em quantas pessoas ficarão machucadas com aquilo. Isso é negar e desprezar os sentimentos eucarísticos. Isso não é viver a Eucaristia, mas é profana-la em um grau alto de compreensão e de fé. Quem tem fé não espalha mentiras; quem tem fé, deixa morrer em si mesmo aquela fofoca maldosa e, por vezes, mentirosa.

ACOLHIDA – Um sentimento eucarístico. “Vá e faça a mesma coisa” (Lc 10, 37b). E Amizade Social é algo que só se torna possível pela fraternidade. Afasta-nos do sentimentalismo e abraça o BEM COMUM como tarefa fundamental humana. A fraternidade não queima o tempo; em vez disso, ocupa o tempo. REQUER TEMPO. A fraternidade “perde” tempo; e ao perder, o ganha em dobro, porque gastou com um irmão, com quem se fez próximo.

 

4. À guisa de uma conclusão

Proximidade, compaixão e acolhida não são os únicos “sentimentos eucarísticos” que podemos encontrar em toda a Fratelli Tutti, mas são, talvez, os pioneiros para que a fraternidade, a amizade social e comunidade (re)unida torne-se a concretude visível de uma Eucaristia viva e presente em nossa missão e nossa vida cristã. Em junho de 2021, o Papa Francisco, por ocasião do Dia de Corpus Christi afirmou que é esse Pão da Vida que nos cura daquilo que nós não somos capazes de fazer sozinhos. E, se nossa doença é não conseguir cuidar do fragilizado com a sua encíclica nos pede, é preciso ter em nossos sentimentos essa Eucaristia que nos convida a termos proximidade, compaixão e acolhida com o fraco.

Ao refletir sobre o nosso passado, as perguntas que deverão surgir em nós, talvez perguntas dolorosas, são: quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? O que produzi no lugar que me foi confiado? (FT, 197).

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