Formação Catequese
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01/09/2023 Ir. Dione Afonso, SDN Edição 3963 Iniciação à Vida Cristã: a Catequese como Vocação e Missão Artigo apresentado no Tríduo Catequético Paroquial de 2023
F/Catequistas da paróquia S. Sebastião de Espera Feliz-MG
"Às vezes o Catequista é um estudioso exemplar, um leigo sempre antenado e que procura se instruir nos documentos da Igreja, atualiza-se sempre que necessário, mas se perde porque não compreendeu ainda que o seu conhecimento precisa lhe abrir ao Mistério da Fé e isso é ser iniciado na vida da Igreja. Se, no Catequista, falta-lhe esta iniciação, dificilmente sua catequese conseguirá se inspirar no Mistério Pascal."

“Jesus decide retornar à Galileia. Por isso, ele precisava atravessar a Samaria e, chegou à cidade de Sicar, perto do campo que Jacó tinha dado ao seu filho José. Aí ficava a fonte de Jacó. Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto à fonte. Era quase meio-dia. Então chegou uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe pediu: Dê-me de beber. A samaritana perguntou: Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou samaritana? Jesus respondeu: Se você conhecesse o dom de Deus, e quem lhe está pedindo de beber, você é que lhe pediria. E ele daria a você água viva. A mulher disse a Jesus: Senhor, não tens um balde, e o poço é fundo. De onde vais tirar a água viva?

(cf. Jo 4, 3-11).

 

 

Primeiro, um pouquinho de história.

O começo do que se chama Cristianismo, ali, por volta dos quatro primeiros séculos, na Igreja Nascente dos Atos dos Apóstolos, as pessoas e as famílias recebiam o que chamaram de Iniciação Cristã. Do que se tratava? Aquele que expressava o desejo de participar da Igreja que se reunia ao redor do Ressuscitado, ouvir sua Palavra e partilhar do Pão era iniciado, ou seja, nele era despertado o sentido de ser cristão e era catequizado no Mistério Pascal, o Mistério da Igreja. Era isso o que Paulo fazia quando questionava: “quando vocês abraçaram a fé receberam o Espírito Santo?” (cf. Atos 19, 2). Séculos depois, esse processo que podemos chamar “catequético” foi caindo em desuso quando as comunidades que se iam surgindo colocavam o Batismo como recurso obrigatório para que a pessoa pudesse participar da vida de comunidade. Nisso, a Iniciação Cristã perdeu sua força.

Essa mudança na história pode ser a raiz do que estamos vivendo hoje: nossas catequeses perdem seu sentido de iniciação cristã e passa a ser nada mais que um curso obrigatório para o sacramento.

Em 2010, na 50ª Assembleia Geral da CNBB, os Bispos do Brasil publicaram o Documento de Estudos n. 97 com o título INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ – um processo de inspiração catecumenal. Tal estudo foi aprovado em 2017, na 55ª Assembleia Geral com a publicação do Documento 107: INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ: itinerário para formar Discípulos Missionários. Em sua introdução, o texto nos alerta que “o processo de Iniciação à Vida Cristã requer novas disposições pastorais. São necessárias perseverança, docilidade à voz do Espírito, sensibilidade aos sinais dos tempos, escolhas corajosas e paciência” [CNBB, Doc. 107, n. 09].

 

 

Iniciação à Vida Cristã (IVC): o que é?

Um dos nossos primeiros equívocos, talvez, seja encarar a realidade hodierna crendo que nossos agentes de pastoral já tenham incluso no seu rol de conhecimento o conceito do que seja a IVC. Infelizmente muitos de nossos catequistas, ministros, liderança pastoral, leigos e leigas que atuam ativamente em suas comunidades eclesiais de base não sabem e nem vivenciam o sentido profundo e carismático da IVC. E Iniciação à Vida Cristã é o contato com Jesus. É “saciar a sede” de sentido da vida. É encontrar “respostas para o que o ser humano luta para descobrir sobre o futuro, sobre a vida, sobre os dons...”. É compreender o “grande Mistério de Cristo e se reconhecer participante dele”. “A chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontra em seu Senhor e Mestre” [GS, 10].

IVC é um processo que gera uma pessoa nova. Não é uma instrução e nem um curso, ou uma aula. É vivência da fé. Instrução é diferente de Iniciação: a pessoa pode ser muito instruída, pode saber muito de Igreja e não sentir o que é ser Igreja. Às vezes o Catequista é um estudioso exemplar, um leigo sempre antenado e que procura se instruir nos documentos da Igreja, atualiza-se sempre que necessário, mas se perde porque não compreendeu ainda que o seu conhecimento precisa lhe abrir ao Mistério da Fé e isso é ser iniciado na vida da Igreja. Se, no Catequista, falta-lhe esta iniciação, dificilmente sua catequese conseguirá se inspirar no Mistério Pascal, no valor da Palavra de Deus e no sentido de Igreja; seus encontros não passarão de meras aulas sobre sacramentos inteiramente desligados do compromisso cristão.

Portanto, IVC compreende-se em três etapas deste processo: 1] primeiro é preciso “ser cristão”. Conhecer, aceitar o processo, compreender e acolher. É o caminho do Batismo: aceitar Jesus é ser batizado. Mas, antes, caminha com a comunidade, torna-se Discípulo, convive com os seus e cria seu sentimento de pertença; 2] o “agir cristão” se mostra nesse discipulado. A pessoa, em seus gestos e ações se revela como um verdadeiro cristão. Trazer pra vida o que se aprendeu: confirmar e viver seu batismo no dia a dia; 3] na naturalidade deste processo, o “viver cristão” acontece com leveza e sinceridade. A IVC completa sua missão quando o discípulo, o catequizando, o ministro, o agente de pastoral, o CPC, o Catequista, torna-se um missionário e abraça a causa do Evangelho e de sua Igreja. Vive a Eucaristia em todas as esferas sociais: na família, no trabalho, na cidade.

“Ser cristão requer uma mudança de vida, é fruto de experiência, não apenas de conhecimento” [CNBB, Doc. 97, n. 37]. Jesus é fascinante, apaixonante e representa um projeto de vida que integra, salva e confere novo sentido de viver, uma nova esperança, ou, como o Apóstolo afirma para a comunidade de Éfeso: “uma nova humanidade” (cf. Ef 4, 24). Só se apaixona por Jesus quem o experimenta! Quem abraça a IVC e no processo muda suas atitudes e se converte às mesmas atitudes de Jesus (cf. Fl 2, 5). No contexto em que estamos vivendo hoje, “a opção religiosa é uma escolha pessoal. Já não é mais uma tradição herdada desde o núcleo familiar. Hoje, se evangeliza ‘por atração’” [CNBB, Doc. 107, n. 07]. O que dificulta ainda mais o nosso trabalho missionário e pastoral. Por isso, é preciso buscar inspiração nas primeiras comunidades cristãs, e transformar nossa Catequese, fazendo dela um espaço de encontro com Jesus e não um lugar sinônimo de obrigação sacramental.

 

 

“O que vocês andam conversando pelo caminho? (Lc 24, 17)

Por fim, agora é necessário um olhar muito sincero para as nossas comunidades. Estamos vivenciando, pela terceira vez, enquanto Igreja do Brasil, um Ano Vocacional. E, com grande alegria, a temática é profundamente catequética, porque ela nos questiona. Questiona nossos catequistas. Questiona nossas pastorais. Questiona nossa Igreja: “o que andamos conversando pelo caminho? A pergunta de Jesus faz coro à de Paulo quando ele chegou na cidade de Éfeso e procurou saber até onde seu povo conhecia a fé, sabia sobre Jesus e sobre o Mistério da Igreja. Uma pergunta que nós precisamos fazer hoje!

Nossa Catequese precisa passar por um processo de conversão urgente! Nossos Catequistas precisam se converter à IVC urgente! Nossas comunidades precisam abraçar com coragem a IVC! Nossas famílias precisam entrar nesse processo de IVC! “O próprio Senhor nos retira de nossa acomodação e nos chama a responder a esse novo desafio. O Evangelho não mudou, mas mudaram os interlocutores. Mudaram os valores, os modelos, as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje. Jesus nos convida a sair, a escutar, a servir, em um movimento de transformação missionária de nossa Igreja. Essa atitude exige estarmos atentos aos sinais dos tempos. O processo é de escuta e atenção aos clamores do povo. Voltando-nos assim para a ‘Samaria’ dos nossos dias, como fez Jesus, abrem-se novos espaços, livres, críticos, comunitários e fraternos, onde a fé cristã pode emergir, com uma renovada pertinência, na busca de mais humanidade e de melhor qualidade de vida, com um profetismo especial, que responda às necessidades de nossa realidade” [CNBB, Doc. 107, n. 51].

Os sacramentos na vida do adolescente e do jovem, e também na vida de cada um de nós, adultos na fé, não são pontos de chegada, mas, sim, são o ponto de partida de vivência da fé e do Mistério Pascal de Cristo. Contudo, apenas uma boa IVC é capaz de dar aos sacramentos o seu significado e sua relevância na vida da Igreja e na vivência de comunidade. Era assim com as primeiras comunidades cristãs: a pessoa que procurava participar das reuniões em torno da Palavra e do Pão era iniciada e, no processo, pedia o sacramento. Era batizada e participava mais ativamente da Igreja. Hoje, parece que a Catequese busca fazer o caminho inverso: o sacramento é o foco central do processo catequético, qual o problema nisso? O Catequista não se envolve e não insere o catequizando na vida de fé da Igreja. É preciso mudar, e essa mudança se chama conversão pastoral.

 

 

A Iniciação à Vida Cristã pode ser uma bela aventura!

O Documento de Aparecida [2007], ao citar a IVC diz que “ou educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para segui-lo, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora” [DAp, 287]. Essa é a tarefa da Catequese! Não tem outro caminho, é este! Por isso que, para ilustrar, resgatamos aqui uma obra literária de 1865, de Lewis Carroll. Trata-se de um romance infanto-juvenil intitulado As Aventuras de Alice no País das Maravilhas. Há quase 160 anos depois de sua publicação, vemos que Alice viveu no seu “País das Maravilhas” o que muitos de nós sonhamos viver: uma aventura!

Primeiro, vivemos a crise de identidade: quando Alice é questionada sobre quem ela é, afirma que “eu nem sei mais quem eu sou. Já mudei muitas vezes desde hoje de manhã” [CARROLL, 2013, p. 38]. E, depois, vivemos a crise da solidão, e o desejo do passageiro: Alice pede ajuda ao sr. Gato sobre que caminho seguir: “- Para onde esse caminho vai? – ela pergunta. – Depende para onde você quer ir. – interpela o Gato. – Eu não sei para onde quero ir! – diz Alice, ao que o Gato conclui: - Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho lhe serve!” [CARROLL, 2013, p. 51]. E nós, para onde queremos ir? Quem somos nós? Será que para nossa Catequese qualquer caminho nos serve? Será que para nossos catequizandos, qualquer caminho lhes satisfaz?

Essa IVC pode ser essa aventura: uma aventura mística, espiritual, alegre, festiva, em busca da fé, da esperança. Uma aventura que contribua com a construção de um belo Projeto de Vida em que cada catequizando se encontre, se reconheça e descubra quem é, de onde é, e para onde sonha ir. É tarefa nossa e “irrenunciável de oferecer uma modalidade de Iniciação Cristã que, além de marcar o quê, também dê elementos para o quem, o como e o onde se realiza” [DAp, 287]. “A IVC é uma urgência que precisa ser assumida com decisão, coragem e criatividade. Ela renova a vida comunitária e desperta seu caráter missionário. Isso requer novas atitudes evangelizadoras e pastorais” [CNBB, Doc. 107, n. 69].

E aí, Catequista, está disposto a encarar essa aventura?

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