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15/02/2020 Frt. Dione Afonso, SDN Edição 3920 Joker e a consumação de uma sociedade doente
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"Um homem marcado pelas condições periféricas sociais vivendo no emaranhado desafio da urbanidade"

 

dafonsohp@outlook.com

 

Ocupando o ranking entre as 5 maiores bilheterias do cinema, a produção de Tedd Phillips Joker de outubro de 2019, além de ter provocado um sentimento de angústia e de temor, o investimento na história de um vilão de tamanha crueldade tem despertado importantes análises, críticas e reflexão nas mais diversas salas de cinema lotadas pelo mundo. O que faz de Joker tornar esse fenômeno? Por que a história de alguém tão deprimente chama a atenção do público?

 

Uma “carta na manga”

Reza a lenda que as cartas do baralho conforme conhecemos hoje nos mais diversos jogos nasceram das cartas do baralho de tarô. A carta coringa não veio junto e a lenda compõe duas histórias: a primeira é que o coringa veio de uma carta do tarô chamada “the fool” que representava uma figura abobalhada, se traduzirmos pro português temos “o bobo”; a outra versão é derivada de um jogo antigo chamado “Euchre” muito semelhante ao jogo de copas instalado nos computadores. Hoje esse jogo é chamado de Joker e em 1960 nos EUA foi introduzida a carta do coringa e nos anos 70 ela também foi aceita na Europa.

Na carta, um coringa desenhado, era a simbologia do famoso “Bobo da Corte”. A tradição classifica essa carta por sua neutralidade ou como um marco “0”. Ou seja, o coringa não assume lados podendo ser aceito em qualquer momento no jogo e, também não possui uma numeração entre as cartas podendo ser lançado com o propósito de causar uma reviravolta no jogo. Fica claro que a lenda do Coringa é carregada de uma simbologia identitária fraca ou, digamos, sem importância. Hoje, a imagem do coringa se assemelha a de um palhaço de circo que, no picadeiro é o responsável em causar gargalhadas nos telespectadores. Parece que não está muito diferente da figura do Bobo da Corte.

 

O Coringa

O roteiro de Tedd Phillips e Scott Silver de Joker apresenta um homem marcado pelas condições periféricas sociais vivendo no emaranhado desafio da urbanidade. Filho da periferia, pais quase ausentes, pobre, sem condição social de estudar, trabalhar, vivendo às margens das calçadas tendo que ganhar pelo menos o sustento mínimo para viver. É amparado por um serviço público de atendimento à saúde mental que, por vias de políticas de governo perde seu direito de continuar.

É o que vemos em Arthur Fleck representado por Joaquin Phoenix na produção cinematográfica produzida pela DC Comics. Na arte contemporânea o Coringa ganha representatividade de discórdia, vilão, maldade e de morte. Alguém que precisa ser detido para recuperar a ordem social e o bem. Ao dar vida a Arthur Fleck, Phoenix protagoniza a história de um homem marcado pela segregação social. Ninguém o vê, ninguém o ama, ninguém dá a ele a devida atenção, ele, simplesmente existe às margens de um sistema público que não apresenta políticas públicas preocupadas com a sua dignidade e cuidado da vida.

 

O retrato sócio-político

São coringas porque perderam sua identidade, esqueceram-se do próprio nome, e hoje, estão dispostos a não só matar, como tirar a própria vida para que pelo menos a família passe a enxergar que ele estava ali o tempo todo. O Coringa hoje está na automutilação, nas tentativas de suicídio, naquela cocaína que o amigo me deu, naquela bebida batizada que eu comprei no beco, no quarto escuro em que me escondo todos os dias pra não ver ninguém... Não é o mundo que se divide entre bem x mal; vilão x super-herói; luz x trevas; mas, somos nós que carregamos os dois lados dentro de nós, a diferença está “no lado que decidimos agir” [J.K.R.].

A grande sacada da obra de Phillips está em retratar uma sociedade doente e que adoece. As escadarias do Bronx em Nova York que dá ao filme uma das cenas mais fantásticas apresenta a queda do homem isso representa a sua perda identitária, perda de sentido, crise pessoal e a ascensão do Coringa, confuso, já transtornado pela doença que o cerceia, louco, sem rumo e perspectiva de vida. Tudo isso é para chamar atenção? Sim! A atenção se volta para um sistema social que desvaloriza o jovem que, nas condições precárias, cai num sistema desumano alimentado pela ideologia de que no mundo não há espaço para ele.

 

Cuidar da vida

Os jovens, sobretudo se assemelham à imagem do Coringa. É preciso desconstruir essa semelhança que está atrelada à mentalidade de vingança, morte e terrorista. Não! É preciso lutar contra essa imagem pitoresca e que destrói nossa própria vida. A vida, sobretudo do jovem é sagrada, é inteira e é cheia de vitalidade. Não somos os Coringas de hoje, não precisamos ser. Mas, somos aqueles que podem fazer com que os “coringas” abandonem a representação do mal, da exclusão, da dor, da falta de atenção, falta de condições mínimas de vida digna. Que possam abandonar essa máscara da representação destrutiva, depressiva e solitária, e possam assumir o rosto humano, por vezes frágil, mas simples, puro, bondoso e jovem. “Vós, jovens, sois o agora de Deus, pois Cristo vive e deseja que cada um de vós possa viver também n’Ele” [Papa Francisco, JMJ 2019].

Nas conclusões do Sínodo, o Papa Francisco lembra da jovem Greta Thunberg que, lutando contra a exploração levanta um cartaz “o futuro é nosso”. Não é só a natureza que é explorada – afirma o papa – “as pessoas também são exploradas de maneira cruel e desumana. Criar entre nós uma consciência social e ecológica envolve o futuro de tantos jovens que buscam um futuro melhor”. Que não tenhamos medo de denunciar toda forma de mal que nos faz sofrer. “Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Corram! Corram na direção daquele Rosto que vos atrai, fascina e vos ama: Jesus, tanto na sagrada Eucaristia, quanto no rosto e na carne do irmão que sofre” [CV, 299].

 

Para rezar e discutir em grupo:

Como o filme Joker pode nos iluminar na nossa luta e busca de identidade, bem como melhores condições de vida?

 

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