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12/07/2020 Ceslas Spicq, O.P. Edição 3926 O amor espantoso
F/ Imagevine.com
"Se o amor é medido pelo dom, a imensidão da caridade do Pai se aprecia em função deste “envio”, que é o de uma vítima imolada."

Ceslas Spicq, O.P.

 Segundo São João, o objeto da fé é um Deus que nos ama. Com efeito, a primeira menção do agapè no quarto evangelho é para assinalar o primado e a amplidão do amor de Deus aos homens: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3,16)

Nosso Senhor acaba de profetizar: “É necessário que o Filho do Homem seja levantado (na cruz)”. (Jo 3,15) Que significa esse “é necessário”? Trata-se de uma trágica força compulsória? Uma violência imposta a Jesus? E por quem? Por que e para qual finalidade?

São João Crisóstomo captou-lhe acertadamente o sentido: “Não vos admireis de que eu deva ser levantado; é para que sejais salvos e, com efeito, é a vontade do Pai que vos ama a este ponto”. Na origem da missão de Cristo e da sua obra de redenção, existe o amor de Deus aos homens, mais exatamente, seu agapè, isto é, o mor mais generoso, mais constante e mais universal.

Toda a insistência da frase repousa nessa caridade, na natureza, na extensão e na realização de uma ternura tão excepcional. Trata-se, realmente, de um amor inerente a Deus, o Santo, em sua própria transcendência, o Criador distinto de sua criação (o mundo), a pessoa do Pai em sua relação com o Filho.

Já se sabia que sua misericórdia equivalia à sua majestade (Sir 2,18), mas São João visa à caridade eterna de Deus que tem o privilégio de todas as iniciativas e que se manifesta numa dupla intervenção histórica: a Encarnação e o Calvário devem ser considerados como a epifania do agapè divino. Poderíamos traduzir: “Desta maneira é que a caridade divina se provou, isto é...”

O que em primeiro lugar se revela é o objeto deste amor e, antes de tudo, sua extensão: o mundo inteiro. A escolha do termo mundo (três vezes no versículo 17) proíbe qualquer limitação... Já não se trata da predileção de Javé por Israel (1Jo 3,1), mas pela humanidade: todos e cada um de seus membros (1Tm 2,4). Sem dúvida, são pecadores; portanto, inimigos de Deus, e quando este decide manifestar seu amor, é em favor de culpados (Rm 5,8).

Se o objeto desse amor é surpreendente, somos tomados de pasmo ao saber que Deus entregou aos pecadores seu próprio Filho. O ápice da afirmação é a correspondência entre este dom insigne e a caridade do Pai. Existe uma relação de causa e efeito entre essa e aquele: Deus amou os homens desta maneira e a este ponto, quer dizer: de forma espantosa: a de dar seu Filho.

Jamais um espírito humano teria podido conceber fato semelhante! Deus dá aos homens o que lhe é mais caro, seu Filho feito carne (1,12), “no meio de nós” (1Jo 3,16), enviado e descido do céu... a fim de morrer em nosso favor. Se o amor é medido pelo dom, a imensidão da caridade do Pai se aprecia em função deste “envio”, que é o de uma vítima imolada. [...]

Cabe ao homem apropriar-se da salvação oferecida. A única resposta que lhe é pedida à iniciativa divina é a fé na pessoa de Cristo – Deus encarnado. O crente confessa que Jesus é o Filho único (Jo 1,12) e o vê como um dom do amor do Pai (cf. 2Cor 5,19). A salvação de cada um se decide em função da aceitação ou recusa da caridade divina, manifestada em Cristo revelador e vítima (1Jo 4,16). [Do livro “O Amor de Deus”, Paulinas, 1981]

 

CESLAS SPICQ, O.P. [1901-1992] foi um biblista francês da Ordem dos Pregadores. Estudou teologia na Bélgica e foi professor de exegese a partir de 1928. Convocado para a guerra em 1939, caiu prisioneiro, mas escapou para a Espanha e lecionou em Salamanca. Após a guerra, estabeleceu-se na Suíça, como professor na Universidade de Friburgo. Participou da tradução da Bíblia de Jerusalém e da TEB. Foi membro da Comissão Bíblica Pontifícia (1973-1979). Entre suas obras, destacam-se: Agapè dans le Nouveau Testament, Paris, Gabalda, 1959-1966; Théologie morale du Nouveau Testament, Paris, Lecoffre, 1965; Lexique théologique du Nouveau Testament, Fribourg, Éditions universitaires, 1991, 1668.

 

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