Origem e significado e perigos do termo
A palavra "clero" não aparece nenhuma vez em todo o Novo Testamento. O termo "clero" vem do grego "kleros", que significa "sorte". E começou a ser usado na Igreja durante o século III. Já é encontrado em Tertuliano (Monogamia, 12) e posteriormente retomado por Cipriano (Epist. 14, 1), tornou-se generalizado a partir de Santo Agostinho (Enarratio no Salmo 67) (cf. A Forcellini, Totius Latinitatis Lexicon, vol. II, pág. 233; Henricus Spelthahn, Thesaurus Linguae Latinae, vol. III, 1340-1341; A Faivre, Lexikon für Theologie und Kirche, vol. VI, 131-133).
Mas foi o imperador Constantino quem recompensou o clero cristão com os privilégios adequados. Pois eles eram os clérigos (e não o cristão comum), os especialistas em rituais; aqueles que souberam realizar o "culto do poder santo e celeste" (Carta de Constantino ao bispo de Siracusa, Eusébio, História Eclesiástica, 10. 3, 21, pág. 632. Cf. Peter Brown, Através do olho de uma agulha, Barcelona, Cliff, 2016, pág. 99).
Historicamente, entende-se o surgimento de alguns "privilegiados" que tiveram a "sorte" de serem eles - e só eles - que sabiam de leis, ritos e cerimônias exatamente como a Igreja (do século III ao VI) estava evoluindo, da transparência do Evangelho à complexidade de uma Religião, que procurou impor-se em toda a Europa. Entende-se que, naqueles tempos em que poder e dinheiro eram os valores determinantes da sociedade, por isso a enorme “sorte” de quem governava era tão valorizada. Eles - e somente eles - tiveram a “sorte”, ou seja, eram o “clero”.
Mas, ao mesmo tempo, compreende-se que o "destino" do "clero" também foi um "infortúnio". Uma desgraça fatal que só agora podemos compreender. Quando a sociedade, a cultura, a política, a economia e até os costumes mudaram tanto, a presumível "sorte" representada pelo "clero" não é valorizada nem estimada. Porque já não se valoriza, como era valorizada na Idade Média, a “sorte” que então teriam os “clérigos”. Hoje se valoriza a sorte dos capitalistas, dos políticos que triunfam, dos sábios, dos artistas. E mesmo na religião, triunfam aqueles que alcançam as posições mais altas que podem ser alcançadas na Igreja.
Duas consequências, entre outras
1. Todos os dias há menos cidadãos que querem ser clérigos ou pertencer ao clero. Em outras palavras, o "clero" não é mais "sorte". A sorte é para aqueles que detêm poder e dinheiro para terem sucesso na sociedade de hoje.
2. O mais importante e o mais grave que aconteceu na Igreja é que a religião se impôs e o Evangelho foi marginalizado. O que quer dizer que a Igreja ficou desorientada. Porque a Igreja nasceu do Evangelho. E segundo o Evangelho, os apóstolos (e seus sucessores) receberam de Jesus o mandato de tornar o Evangelho presente em todo o mundo (Mt 28,16-20; Mc 16,14-15; Lc 24,46-49; Jo 20 , 30-31). E, na realidade, o que a Igreja faz de melhor, o que mais se preocupa e o que mais exige é manter e propagar, na medida do possível, a Religião que os “clérigos” ensinaram desde o século III até os dias de hoje. E se formos honestos, temos que admitir que foi a religião que matou Jesus. Quem mais sentenciou a morte de Jesus? (Jo 11, 47-53).
E termino confessando este fato estranhamente para mim: no Vaticano existem Sagradas Congregações para zelar pela Doutrina da Fé, para zelar pelo clero, pela liturgia, pelos seminários, pela Vida Religiosa, etc. Mas não há Congregação que cuide da fidelidade ao Evangelho. Felizmente, o Papa Francisco abriu uma janela de esperança para nós. Sua humanidade, sua simplicidade, sua proximidade com os pobres, os enfermos e as crianças, sua liberdade de dizer ao clero o que o clero não queria ouvir... Tudo isso nos faz pensar que o clero está se apagando. E isso, precisamente isso, nos ilumina a luz da esperança. A Igreja, que vive o Evangelho, tem futuro. Para ela e para o mundo.
Fonte: Religiondigital
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