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27/10/2019 Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN* Edição 3916 O Verdadeiro Poder é o Serviço
F/ Pixabay - Gerd Altmann
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"Nesse breve diálogo queremos propor uma reflexão acerca do poder que não se identifica com o mando e a violência, isto é, uma concepção de poder que não se encontra enraizado na fórmula tradicional “governante-governado”. "

O Verdadeiro Poder é o Serviço

Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN*

 

O que é o poder? Conforme a enciclopédia Luso-Brasileira de filosofia, o discurso sobre o poder desdobra-se por várias disciplinas, dado que o poder se apresenta como potência de realizar uma possibilidade, independente do tipo de seres e situações em que ocorre. Ao seu campo semântico pertencem termos como autoridade, força, capacidade, domínio...

Na tradição ocidental desde Platão até os pensadores modernos, a política foi pensada na forma “governante-governado” e o poder foi visto como mando e obediência, guiando-se sempre pela questão “quem manda em quem.” Parece que existe um consenso entre os teóricos políticos, da esquerda à direita, no sentido de que a violência é tão-somente a mais flagrante manifestação do poder. Neste sentido, os totalitarismos nas suas mais variadas formas seriam a evidência máxima da busca de dominação total do homem pelo homem.

Nesse breve diálogo queremos propor uma reflexão acerca do poder que não se identifica com o mando e a violência, isto é, uma concepção de poder que não se encontra enraizado na fórmula tradicional “governante-governado”. O poder como fruto da ação conjunta dos homens e mulheres, que nasce da experiência da pluralidade humana que é a condição básica da ação e do discurso, logo, da política. Pois a verdadeira “autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada a autoridade em si mesmo fracassou” (H. Arendt). Como nos ensina o Mestre de Nazaré, o verdadeiro poder é o serviço.

 

O poder como capacidade de agir em conjunto

O campo da política é o do pensamento plural, é o pensar no lugar e na posição do outro. Não mais o eu consigo mesmo, mas o diálogo com os outros com os quais devo chegar a um acordo.  A sua natureza é dialógica, por isso ela surge não no homem, mas entre os homens. Desta forma, a liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre homens onde só então se torna possível a política. Politicamente não existimos no singular, mas coexistimos no plural. Assim, o isolamento destrói a capacidade política do homem, pois elimina sua faculdade de agir conjuntamente.  

Na polis grega, berço da democracia, a praça pública é o lugar por excelência de fazer política, ou seja, é o espaço público que permite, pela liberdade e pela comunicação, o agir conjunto e, com ele a geração do poder. Como afirma H. Arendt, “o poder em seu sentido verdadeiro nunca pode ser possuído por apenas um homem; o poder vem a ser misteriosamente, por assim dizer, quando quer que homens ajam ‘em concerto’, e desaparece, não menos misteriosamente, quando quer que o homem esteja só. A tirania, baseada na impotência de todos os homens que estão sozinhos, é a tentativa da hybris de ser como Deus, investido de poder individualmente, em completa solidão”.

Observa-se, que na modernidade, houve a inversão dos valores que deu à economia a prioridade sobre a política. Desta forma, a política, que na democracia ateniense, ocupava o espaço público, é expulsa cada vez mais deste em função do crescimento do mercado e do interesse das pessoas em cuidar da vida privada. O espaço público foi invadido pela produção e pelo consumo, e o trabalho, como fonte produtora de riquezas passa a ser visto como a própria essência do homem.  Com isso, a política perdeu o seu ideal de liberdade e de realização de uma sociedade justa e passou ser um conjunto de procedimentos pragmáticos para chegar ao poder e mantê-lo. Em nome da segurança e da manutenção da ordem, restringe-se a liberdade, reprime a espontaneidade humana e cresce a corrupção do poder pela violência.

 

A corrupção do poder pela violência

Em nossos dias assistimos uma nova onda de governos “autoritários”, que acreditam mais na força das armas do que no poder da palavra, da ação conjunta. No Brasil, por exemplo, em poucos meses de governo já podemos perceber os rumos não democráticos de um governo que tenta governar pela “caneta”. Mas um governo que fecha os ouvidos à voz do povo e quer exercer o poder de governar só por decreto, já não pode mais ser considerado democrático. Parece que tem crescido entre nós a ideia de que a participação democrática do povo se restringe ao voto; terminada as eleições, os eleitos que representam o povo já não devem mais nenhuma obrigação à população, pois receberam uma espécie de contrato em branco para fazer o que quiserem e, da parte dos eleitores, cabe assistir de camarote a banda passar.  Esquecendo que “o poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido” (Hannah ARENDT).

Um governo que censura a imprensa, que questiona a história dos fatos, que coloca em dúvida as Instituições, que proíbe os Institutos de pesquisa a divulgarem seus dados, que diz que a participação da sociedade civil em Conselhos de Direitos atrapalha governar, que quer controlar até o que o professor ensina na sala de aula... Esse governo dá sinais de que está perdendo o poder que emana do povo, e se tornando violento e autoritário. Pois um governo que visa abolir a liberdade e eliminar todo tipo de criatividade e espontaneidade humanas, está baseado na violência, no terror e não no poder. Porque o poder é um fenômeno plural – coletivo – distinto, pela sua natureza, da força, do vigor e da violência. Por isso, “poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência aparece quando o poder está em risco, mas, deixada no seu curso, ela conduz à desaparição do poder” (H. ARENDT).

Percebe-se que a realidade política contemporânea, tende a monopolizar o poder, a privar os homens de participarem de uma comunidade política. Assim, o espaço público, da ação e do discurso, no qual os homens agem em comum e exercem a sua liberdade política, é destruído. Neste contexto, os homens não perdem apenas a liberdade, mas o direito de agir em conjunto, o direito à pluralidade, perdendo, portanto, sua humanidade.

 

O verdadeiro poder é o serviço

O fascínio pelo poder-dominação parece estar no coração dos homens e mulheres. No pecado de Adão e Eva no paraíso já estava por traz o desejo de grandeza e poder (cf. Gn 3, 1-7). Entre os discípulos de Jesus também reinava a tentação de saber quem era o maior, ou seja, quem mandava mais, quem tinha mais poder. Jesus, porém, mostra que o verdadeiro poder não é “mandar”, dominar, mas servir. “Jesus então os chamou e disse: ‘sabei que os que são considerados chefes das nações, as dominam, e os seus grandes impõem sua autoridade. Entre vós não seja assim. Quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja aquele que serve, e quem quiser ser o primeiro, no meio de vós, seja o servo de todos” (Mc 10, 42-44).

Observa-se que o ensinamento de Jesus acerca do poder tem muito a dizer para a maneira de governar, não somente dentro da Igreja, mas também no exercício do poder político. Pois quando o poder deixa de ser serviço, ele se torna mando, violência, opressão. Neste contexto, “alimenta-se a vanglória de quantos se contentam com ter algum poder e preferem ser generais de exércitos derrotados antes que simples soldados de um batalhão que continua a lutar” (Papa Francisco, EG, 96).

Para Jesus, o verdadeiro poder é o serviço. Ele mesmo se declara como um servidor da humanidade (Mc 10, 45), e o serviço dele foi o serviço da cruz. Ele humilhou-se a si mesmo até a morte e morte de cruz, para nos servir, para nos salvar. Nesse sentido, a autoridade, o exercício do poder só é legítimo se estiver em função dos outros, se for lava-pés (cf. Jo 13, 1-17).

 

 

* Pe. Rodrigo, SDN é licenciado em Filosofia, bacharel em Teologia, com especialização em formação para Seminários e Casa de Formação. Mora atualmente na paróquia São Bernardo em Belo Horizonte-MG.

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