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21/11/2019 Ir. Dione Afonso, SDN Edição OS JOVENS E A SOCIEDADE DO CANSAÇO esgotamento profissional, síndrome de Burnout e pressão social
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"90% dos estudantes apresentam sinais de estresse, esgotamento, desgaste emocional, e estilo de vida “estéril”. 99% são jovens. Expostos à grande fase da vida de sérias mudanças, importantes decisões que é próprio dessa faixa etária. Esses jovens vivem naquela famosa tensão entre fazer as escolhas que irão nortear suas vidas e são experimentados frequentemente com frustrações, decepções, medos, angústias, indecisões e insegurança."

OS JOVENS E A SOCIEDADE DO CANSAÇO: esgotamento profissional, síndrome de Burnout e pressão social

 

No Brasil, 30% da população sofre do que chamamos de “doenças da vida moderna”, segundo dados do ISMA-BR – Stress Management Association Brasil.

 

Christian Maia Moreira *

christian.maia@sga.pucminas.br

 

Ir. Dione Afonso, SDN *

dafonsohp@outlook.com

Rodrigo Santos Siqueira *

rodrigo.santos.siqueira@hotmail.com

 

 

De forma instintiva, a palavra “estresse” vem sendo usada de maneira corriqueira e sem muita reflexão a respeito do que produz uma rotina estressante. No Brasil, 30% da população, segundo a Stress Management Association Brasil [ISMA-BR], sofre do que a pesquisa chama de “doenças da vida moderna”. No ambiente acadêmico, os dados são ainda mais preocupantes. O pesquisador Felipe Moretti, numa pesquisa com estudantes da USP afirma que 90% dos estudantes apresentam sinais de estresse, esgotamento, desgaste emocional, e estilo de vida “estéril”. 99% são jovens. Expostos à grande fase da vida de sérias mudanças, importantes decisões que é próprio dessa faixa etária. Esses jovens vivem naquela famosa tensão entre fazer as escolhas que irão nortear suas vidas e são experimentados frequentemente com frustrações, decepções, medos, angústias, indecisões e insegurança.

 

Uma geração exausta

O psiquiatra do ISMA-BR, Rafael Boechat, aponta que essa situação social já se inicia na adolescência, quando, ainda criança já se tem que “viver com a responsabilidade de dar conta de várias atividades simultaneamente. Além da escola, tem os cursos de inglês, espanhol, a escolinha de esportes, música, cursinhos pré-vestibular, reforços escolares e por aí vai”. Para Boechat, isso se agrava na juventude quando chega o universo acadêmico e o mundo do trabalho, “vemos os jovens querendo ter o sucesso econômico e profissional que os adultos têm. Essa cobrança por um lado é positiva, porque os incentiva a estudar e a trabalhar, mas por outro lado, gera uma ansiedade, uma cobrança muito forte. E se essa cobrança não for correspondida, pode gerar situações de depressão e até de suicídio, como acontece muito no Japão, onde o número de mortes de jovens por suicídio ultrapassa a média nacional”, afirma.

O termo “sociedade do cansaço” indica uma série de epidemias que marcam a vida contemporânea. A rotina acelerada do mercado de trabalho, o frenesi do dia a dia, o acúmulo de compromissos e responsabilidades, a pressão social sobre a juventude cobrando deles sempre mais e o esgotamento profissional cotidiano são alguns elementos. Jornalistas, policiais, médicos e estudantes universitários apresentam maiores índices de cansaço. Em entrevista, alguns alunos universitários da PUC-Minas partilham de suas rotinas e as dificuldades que enfrentam para conciliar todas as atividades rotineiras.

Roberta Resende está cursando o 9º período de psicologia, segundo ela sua rotina é bastante estressante, “com dores nas costas, muito cansaço mental, pois fico o dia todo fora de casa”. Adriene Dias e Fillipe Ferreira fazem Relações Públicas. Ela está no 2º período e sua rotina é assustadora. Quando perguntamos sobre como é seu dia, só de olhar para as grandes olheiras em seu rosto já notava-se que descanso não era um verbo frequente em seu vocabulário. “... costumo levantar às 5h da manhã – Adriene começa a narrar – pego no serviço às 8h. Trabalho de 8h ás 18h e saio correndo pra PUC e estudo de 19h até às 22h30. No sábado tenho aula das 9h ás 13h, tenho que conciliar meu curso de inglês e o que sobra do fim de semana fico por conta de fazer os trabalhos da faculdade [...]. No serviço ás vezes as coisas saem do controle [...]. No meu horário de almoço eu aproveito pra estudar, fazer os trabalhos, estudar para as provas. No ônibus e no metrô eu vou lendo e estudando”.

Fillipe Ferreira mora em Vespasiano, Região Metropolitana de Belo Horizonte, a 30 Km de distância da faculdade. Ele afirma que sua vida se assemelha à de um robô programado: “Vida social praticamente não tenho, porque a única vida social que posso considerar é o relacionamento com minha namorada que chega no domingo, procuro sempre reservar uma parte para estar com ela para ter esse relacionamento pessoal porque, a semana toda a gente age meio que como um robô num certo sistema. A gente não tem um abraço, não tem conversa nenhuma saudável principalmente em fim de semestre, é só correria. Você chega e não dá nem tempo de cumprimentar as pessoas direito, porque as pessoas estão matando uma aula pra poder fazer o trabalho de outra e isso chega a ser surreal”.

Esse frenesi perverso também atinge toda estrutura familiar. João Medeiros, aluno de Educação Física ainda está no 2º período e já lamenta o distanciamento da família: “Em casa mesmo, meus pais eu os vejo no fim de semana. Dia de semana é só ‘oi, tô indo dormir’. E faz muita o contato com a família, principalmente com minha mãe, que eu tenho muito apego a ela. A gente quase não conversa mais. Os meus outros amigos eu converso por telefone, somente interação por Rede Social, só esse lado virtual mesmo. Perde um pouco esse convívio, mas, por eu estar estudando, é o que eu escolhi, então eu tenho que passar por cima disso. Meus pais me esperam pra chegar todos os dias, principalmente a minha mãe, sendo que ela já podia estar dormindo, ela me espera chegar pra poder ficar com a cabeça mais tranquila”.

Outros elementos como alimentação saudável, trânsito estressante, falta de tempo pra cuidar da saúde, ir ao médico, transporte público também surgiram como grandes vilões na vida estudantil.

 

A sociedade do cansaço

Em 2010, o filósofo coreano Byung-Chul Han apresentou o termo “sociedade do cansaço” para indicar uma série de questões que marcam a transitoriedade da sociedade contemporânea como a rotina acelerada do mercado de trabalho, o frenesi do dia a dia, o acúmulo de compromissos e responsabilidades, a pressão social sobre a juventude cobrando deles sempre mais e o esgotamento profissional cotidiano indicando o mais recente transtorno psíquico: a síndrome de Burnout. O termo já era conhecido desde 1974 quando o médico psicanalista Herbert Freudenberger o usou para descrever o desgaste de profissionais com atividades constantes sem horas de descanso e sem repouso como jornalistas, policiais, médicos além de estudantes universitários.

Nas suas próprias palavras, esta sociedade se caracteriza “pelo desaparecimento da alteridade e da estranheza. A alteridade é categoria fundamental da imunologia. [...]. Também o estranho se neutraliza uma forma de consumo. O estranho cede lugar ao exótico” segundo Han. O homem, recém-inaugurado o século XXI, torna-se cada vez mais explorador de si mesmo e dos outros homens, atendendo às coordenadas da sociedade do desempenho que se desenvolve em total dissonância com os valores humanistas. As doenças mais frequentes em nosso ambiente de trabalho são resultado dessas deliberações, dos avanços tecnológicos e das redes sociais que transformaram radicalmente nossas relações afetivas[1].

A sociedade da vigilância e da punição [Michel Foucault] dá lugar, hoje, a uma sociedade mais competente na sua finalidade de produzir para o consumo, minimizando os obstáculos e oferecendo, sempre, perspectivas de desenvolvimento da economia e de lucro para os investidores. Mas como fazer o homem produzir mais sem reivindicar para ele, ao menos, aquela satisfação no entretenimento e no consumo que o tornava meramente alienado, inconsciente de sua condição de trabalhador explorado? Han é taxativo em sua resposta: pensando em alternativas para fazer o próprio homem sentir-se útil e eficiente na sua exploração de si mesmo. A isto ele chama a transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade do desempenho. O valor do nosso trabalho reside na nossa capacidade de executar múltiplas funções, a qualquer tempo e com a menor quantidade de recursos possível. (Afinal, o que não se faz com um smartphone conectado à internet nos dias de hoje?)

Segundo Costa e Noyama, a “sociedade do bem viver dá lugar à do sobreviver”. A todo momento a pressão social cobra de nós resultados, desempenho. Temos que produzir. Temos que mostrar do que somos capazes de fazer, mesmo que, pra isso tenhamos que ultrapassar nossos limites saudáveis. O que importa é operar até às últimas consequências.

 

A síndrome de Burnout

A Síndrome de Burnout, também conhecida como a síndrome do esgotamento profissional, um distúrbio psíquico, foi descoberta no Brasil, em 1974, pelo médico psicanalista, Herbert Freudenberger, que descreveu o fenômeno como um sentimento de fracasso e exaustão causado pelo acúmulo de estresse no trabalho. O próprio termo “burnout” demonstra que esse desgaste danifica aspectos físicos e psicológicos da pessoa. Traduzindo do inglês, “burn” quer dizer queima e “out” significa exterior.

 A doença é muito comum em profissionais que trabalham diariamente sob pressão e com responsabilidade constante, como os médicos, enfermeiros, policiais, jornalistas, atingindo os jovens universitários provocando exaustão emocional e perda de realização acadêmica e, posteriormente, profissional.

Síndrome de Burnout não é depressão, pode, talvez, desencadear sintomas depressivos. Sua principal característica é o esgotamento físico e emocional que se reflete em atitudes negativas, como ausências no trabalho, falta de sono, pensamentos ruminantes que não permitem conciliar o sono, acordar com a sensação de cansaço de como se o sono não tivesse sido reparador, como se não tivesse dormido.

De acordo com a psicóloga, Mayara Paiva Palazzo, “a síndrome de Burnout tem sido cada vez mais notada com o tempo. Os sintomas estão cada vez mais aparentes. Além de uma constante terapia e medicamentos caso tenha sintomas depressivos], a atividade física diária tem possibilitado uma melhor qualidade de vida a essas pessoas. Em alguns casos em que a pessoa, de forma alguma, muda seu estilo de vida profissional, ela cria uma rotina pesada, que acaba refletindo no seu corpo, com dores corporais intensas e pesares diários, como estresse, insônia, ansiedade e muitos outros. A ajuda psicológica é indispensável,” alertou.

Voltando à pesquisa do jovem Moretti da USP, ele classifica nos estudantes entrevistados que a faculdade se tornou uma “máquina de moer gente”. Isso demonstra um problema na forma como atualmente o conhecimento é transmitido. Ele é entendido como um produto, de forma a ser produzido em larga escala, através de fichamentos, trabalhos e provas que tornam uma atividade que deveria ser envolvente em algo maçante.

Assim, evidencia Moretti, “a atual rotina de estudos é muito extenuante devido ao modo como entendemos o ensino. Em parte, em razão da cobrança excessiva pelos professores, mas que também encontra ressonância dentro do corpo estudantil, através da autocobrança dos universitários. Outro fator de preocupação identificado por ele foi o tempo curto para tarefas e conteúdos extensos, somado à falta de coordenação pedagógica, dificultando-se assim o caminho do aprendizado. O conhecimento é muitas vezes entendido como várias caixas fechadas, mas ele é mais amplo que isso, e os alunos se desmotivam com coisas assim. O aluno não dá conta de manter uma vida pessoal e social ativa”.

Para Moretti, essa “é uma discussão que precisamos ter com mais frequência – para avançarmos com processos de aprendizagem mais cativantes, inspiradores. As nossas formas de ensino às vezes acabam por gerar mais adoecimento do que florescimento. A ausência de uma vida pessoal e social eleva ainda mais o estresse, em um círculo vicioso. As pessoas perdem seu contato com parentes e amigos e também não têm como realizar uma atividade relaxante em seu tempo livre. “Uma dança, o seu esporte favorito ou seu hobby são desestressantes, tendo efeitos no corpo e na mente”.

 

Encontrar novos caminhos

A professora de Jornalismo, Ana Maria Oliveira e a professora de Psicologia Sandra Maria de Castro, conseguem identificar que, de fato, essa “sociedade do cansaço” reflete claramente nos seus alunos que a cada dia estão mais cansados, exaustos, desligados, como “se estivessem em outro planeta”.

Ana Maria insiste muito num planejamento pessoal bem organizado para que não caia na rotina frenética. Alerta também que “o sistema de transporte público tem que melhorar. As aulas iniciam-se cedo demais. O quadro acadêmico precisa ser revisto. Muitos alunos vão ter que acordar entre 4h e 5h da manhã. E isso cabe em qualquer unidade de ensino, qualquer faixa etária. Sobre a agenda cheia demais, o mundo contemporâneo cobra muito das pessoas, e a nossa saúde vai aguentar isso até quando?”, questiona.

 

 

Como alternativas para oferecer ao estudante uma qualidade de vida melhor a Psicóloga Sandra Maria ressalta que não há uma receita pronta para isso. Segundo ela, através do autoconhecimento podemos reverter esse quadro. “Nós partimos do pressuposto de que todos os comportamentos são aprendidos [...] Temos tentado ensinar sobre responsabilidade, autoestima, autoconfiança, auto-observação, autoconhecimento. Tudo para que possa ficar sensível ao outro que estar perto de você. Essa sensibilidade e esse cuidado ao outro é o que temos que passar a ensinar em salas de aula mais do que um conteúdo formal”.

 

REFERÊNCIAS:

HAN, Byung Chul. La agonia de Eros. Traducción Raúl Gabás Pallás. Herder: Barcelona, 2014.

____. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.

____. Sociedade da transparência. Tradução de Enio Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017.

JORNAL DA USP. https://jornal.usp.br/ciencias/estresse-quando-a-faculdade-vira-maquina-de-moer-gente/

 

* Alunos da Graduação do curso de Jornalismo pela PUC-Minas e pesquisadores no campo juvenil na área do esporte, lazer e cultura; e, também na área da religião, pastoral e da literatura.

 

 

[1] COSTA, P. B.; NOYAMA, S. A Sociedade do Cansaço de Byung-Chul Han e o diagnóstico da condição do homem do século XXI. Costa & Noyama. Ensino & Pesquisa, v.15, n. 4 (2017), 310-315.

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