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20/02/2020 Romano Guardini   Edição 3920 Os sinos
F/ Christianity.com
"Como é grande o mundo, dizem os sinos, e cheio de desejos! Deus chama... e só nele existe paz..."

 

Em nossas igrejas, tudo fala de Deus. Sua divina presença preenche seus mínimos recônditos. O mistério que ondeia por trás das paredes espessas, o silêncio que reina sob as ogivas elevadas, esses lugares onde o mundo não entra fazem delas em verdade a casa do Senhor. Tudo converge para o Santo dos Santos.

E mais longe? E a ogiva azulada que se estende sobre a planície? Que acaricia os montes ao infinito? Que banha os vales – será que ela não está ligada ao santuário?

Sem dúvida. O campanário se arremessa no ar livre para de algum modo tomar posse dele em nome de Deus. Os bronzes que cochilam à sua sombra agitam-se, às vezes, como as vagas, rolando onda sobre onda através do éter – ondas argentinas e vivas, ondas graves, ondas pesadas e lentas que, mensageiras de Deus, vão em rajadas através do espaço para inundar a região sob suas vagas harmoniosas.

Mensageiros de Deus no azul, mensageiros sem pátria nem fronteiras, mensageiros dos grandes desejos e de infinitas alegrias, os sinos chamam todos os homens “de desejo” cuja alma ama os espaços.

Sim, se ouvimos os sinos, parece que o espaço aberto se torna palpável, e quando eles vibram, enchendo de sua melodia a região inteira, os desejos nos transportam para o horizonte – mas o coração sente bem rápido que, para satisfazer-se, ele deve ultrapassar as franjas azuis em dégradé na distância...

Quando da montanha, onde se eleva o campanário, o som dos bronzes desce para o vale ou voa para os céus, os pulmões se dilatam e sentem um vigor desconhecido.

A voz dos sinos penetra às vezes sob as florestas, muito longe, no vasto silêncio do crepúsculo... longe, longe, que vem não se sabe de onde... Então, tudo desperta! Os mais antigos esquecimentos ressuscitam e nós, de pé, ouvidos ao vento, refletimos: “Quê? O que é isto?”

Então, apalpamos o espaço. A alma se dilata, a alma segura os céus: é uma resposta ao longínquo chamado da eternidade.

Como é grande o mundo, dizem os sinos, e cheio de desejos! Deus chama... e só nele existe paz...

Senhor, maior que o mundo é nossa alma! Mais profundas que os vales são nossas aspirações! E seus desejos, mais dolorosos que os sons perdidos ao longe!

Somente vós, Senhor, podeis saciá-la. Somente vós...

 

(Do livro “Les Signes Sacrés”. Ed. Spes, Paris, 1938. Trad. A. C. Santini)

  ROMANO GUARDINI [1885-1968] nasceu em Verona, Itália, e faleceu em Munique, Alemanha. Sacerdote, escritor e teólogo católico, Guardini iniciou sua docência em 1923, na Universidade de Berlim, onde permaneceu até 1939, seu curso foi suprimido por autoridades nazistas. Mais tarde, lecionou na Universidade de Tübingen [1945-1948] e na Universidade de Munique [1948-1962].

Foi notável a sua influência na teologia católico-romana do século XX. Isto ocorreu especialmente em dois campos: o diálogo entre teologia e literatura - como em seus estudos sobre Dante Alighieri - e a liturgia. Entre suas obras, destacam-se: O Espírito da Liturgia, Introdução à Vida de Oração, O Fim dos Tempos Modernos e Liberdade, Graça e Destino.

 

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