Parece ser um contrassenso o que acontece nestas duas realidades: a Quaresma reflete sobre a fraternidade, espiritualidade, conversão, mudança de vida; a guerra revela a insensibilidade do ser humano ao provocar um cenário de destruição e desumanidade. Está visível esta realidade nesse confronto entre a Rússia e a Ucrânia. Os autoritários não medem as consequências de uma guerra.
A humanidade passa por momentos ímpares de destruição. A pandemia mexeu com todo mundo, seja rico ou pobre. O cenário da ecologia integral está em baixa, e revela um descontrole da natureza, ocasionando desastres letais em vários espaços geográficos, com enchentes, deslizamento de terra, destruição de pontes. Queremos entender que alguma coisa precisa ser mudada e recuperada.
Está na hora da humanidade levantar os olhos para o céu, como fez Abrão diante da proposta e do convite de Deus (cf. 15,5-6). Esse é o caminho indicado pelos quarenta dias de reflexão na Quaresma, como tempo de restauração das motivações para defesa da vida e superação do que fere a dignidade das pessoas. Não pode ser um caminho de guerra, de insanidade e de autodestruição.
A proposta de Jesus tem o envolvimento da cruz, e muitos são inimigos da cruz. A tendência moderna é de descarte de tudo que exige sacrifício, mas acaba provocando consequências de sofrimento e perdição. Nas guerras, as autoridades não conseguem sacrificar os próprios interesses, sejam econômicos, políticos e religiosos. É inconcebível que a maioria das guerras tem motivação religiosa.
Não é louvável ter prazer somente em relação às coisas terrenas, aos interesses egoístas e escusos, desviando a atenção para o sobrenatural. Na maioria das vezes, isto acontece numa guerra, onde as decisões são recheadas de competição, destruição e morte. Falta sensibilidade para o divino presente no mundo, na natureza e, de modo especial, na pessoa humana, principalmente inocente.
A compaixão é uma virtude que pode intermediar as duas realidades: quaresma e guerra. Quem arma guerras diz não eliminar vidas inocentes, mas não vive a compaixão, o reconhecer que todas as pessoas têm direito a vida, à sua história e a seus patrimônios. É triste ver tanques de guerra apavorando a população e ceifando vidas. A quaresma provoca a compaixão e a fraternidade.
Dom Paulo Mendes Peixoto - Arcebispo de Uberaba.
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