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01/08/2019 Ir. Dione Afonso, SDN e Christian Maia Edição Simpósio sobre mundo juvenil fala sobre o sofrimento e a depressão
F/Pixabay
"Nossos jovens não sonham mais porque sentem culpados em não desejarem o suficiente. Sentem-se culpados em não conseguirem ser felizes na medida em que desejaram. A sociedade jovem é uma sociedade de culpados. Eles sentem-se culpados por não serem os profissionais que sonharam, sentem-se culpados em não ser o que a mãe ou o pai sonhou pra eles"

SIMPÓSIO SOBRE O MUNDO JUVENIL ABORDA TEMAS COMO A DEPRESSÃO E O SOFRIMENTO ENTRE OS JOVENS

 

 

 

 

Entre os dias 11 a 13 de julho de 2019, o Curso de Especialização em Pós-Graduação sobre Juventudes e Aproximações com o Mundo Juvenil Contemporâneo em parceria com a FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, realizou o terceiro Simpósio. Dessa vez trazendo o tema da subjetividade, sofrimento e experiência religiosa dos jovens. Na Conferência de Abertura a psicanalista Dra. Maria Rita Kehl aborda a temática do simpósio de forma segura e firme diante da sociedade “depressiva que estamos construindo”.

Maria Rita Kehl é psicanalista, doutora em psicanálise pela PUC de São Paulo, jornalista e escritora. É autora de [entre outros]: Deslocamentos do feminino – a mulher freudiana na passagem para a modernidade; e O tempo e o cão – atualidade das depressões. Os estudantes de jornalismo pela PUC Minas, Dione Afonso e Christian Maia reúnem suas principais considerações na abertura desse Simpósio enunciadas por Maria Rita. Confira:

 

 Seria, mesmo, a doença do século?

Em 2010 o livro O Tempo e o Cão: atualidade das depressões ganhou o prêmio Jabuti como livro de não-ficção. Segundo Maria Rita, “a depressão está associada ao desejo saciado. Não seria a falta o que motiva a depressão. A busca por si só envolveria um empenho que se contrapõe à apatia do sujeito depressivo. O depressivo não sofre por não obter aquilo o que deseja. Ele não deseja nada”. Em sua fala, Maria Rita aborda a psicologia para explanar sobre a doença que acreditamos estar no ranking como a mais poderosa do nosso tempo. Segundo ela, não estamos enganados ao pensar assim, no entanto, encaramos a depressão pelo caminho oposto, e não pelo lado onde ela realmente surge e cresce.

Estamos construindo uma sociedade sem prazer e sem oportunidades em correr atrás do “gozo da vida”. Maria Rita afirma que “nossas crianças estão crescendo hoje sem ter que se preocupar em correr atrás das coisas mais pequenas da vida”. Maria Rita completa que a falta de querer gozar a vida simboliza a ausência de desejo. E só o fato de desejar algo torna-se a concretude em definhar a nossa capacidade em querer evoluir. Desejar é querer. Querer é buscar. Buscar é sonhar. Hoje, nossos jovens caem em depressão porque não sonham mais. E eles não sonham mais porque tiramos deles a oportunidade em desejar.

Vejam, “é preciso deixar que cada um busque o que quer. Que cada um descubra o verdadeiro gozo em se querer viver. A vida é movida pelo desejo”, afirma a psicanalista. As vezes tememos a separação, a mudança, mas isso não é de todo ruim. “Hoje, não queremos mais arriscar. Não deixamos que nossas crianças se arrisquem. Elas não se machucam mais com seus brinquedos, elas não choram mais porque um carrinho ou uma boneca quebraram. Não arriscamos mais. Deixar que algo falte, fará com que a criança se torne um ser desejante. E, ao desejar algo, ela sentirá que é preciso lutar, correr atrás por esse algo que ela deseja”.

Maria Rita ainda conclui dizendo que quando “as crianças se ocupam das mais diversas atividades durante todo o dia, mas não têm tempo livre para brincar e desenvolver as suas capacidades criativas, imaginar, elas caem no famoso tédio. Se a mãe das invenções é a necessidade, seu pai é, certamente, o ócio”, ainda que se tenha o hábito de atribuir o desejo a um objeto de consumo.

 

Sociedade da culpa

Nossos jovens não sonham mais porque sentem culpados em não desejarem o suficiente. Sentem-se culpados em não conseguirem ser felizes na medida em que desejaram. A sociedade jovem é uma sociedade de culpados. Eles sentem-se culpados por não serem os profissionais que sonharam, sentem-se culpados em não ser o que a mãe ou o pai sonhou pra eles. Sentem-se culpados em não terem o casamento, a família que lutaram pra construir. Sentem-se culpados por “não conseguirem gozar o suficiente”. “O gozo – continua Maria Rita – passa a se tornar uma obrigatoriedade, como se fosse a etapa de um jogo quase impossível de vencer”. Exigimos demais dos jovens porque damos demais a eles, e não permitimos que eles mesmos se dessem o que desejassem possuir.

Nossos jovens hoje não são felizes porque sentem-se culpados. Culpados em não conseguirem ser felizes. E não conseguem ser, porque não tiveram a oportunidade de desejar a felicidade. Maria Rita usa uma dinâmica criativa ao tentar explicar o que ela chama de “sociedade da culpa”: “os reis tristes das histórias infantis foram citados como exemplo de personagens que tudo têm à sua disposição, porém nada é capaz de deixá-los felizes, nem os melhores banquetes, nem as mais belas mulheres ou as maiores fortunas”. Para Maria Rita “o que lhes falta é a falta, ou seja, aquilo que motivaria o próprio desejo. A saciedade levaria a um quadro de depressão, que apresenta como um de seus sintomas um estado de tédio permanente.

Vivemos na sociedade do tédio. Se estamos saciados não temos mais o que buscar e nem o que fazer. Hoje perguntamos o porquê da frenética busca por novidades dos jovens. E a resposta, ousaria dizer que está na “síndrome dos príncipes encantados” que estamos protegendo em nossas casas como grandes fortalezas, a torre mais alta do castelo. Não estamos num Conto de Fadas. Jovens estão morrendo em ataques a escolas, em esquinas do tráfico, em bordeis de prostituição, em fronteiras de vendas de corpos e de órgãos colocando até mesmo a sexualidade na negociação. E nos perguntamos o porquê de tudo isso. Bom! Como em todo Conto de Fadas, todo castelo tem uma fraqueza, e quando o príncipe encantado começa a sentir a necessidade, começa a desejar, ele se refugia na floresta do mal, onde o rei e a rainha não têm mais controle sobre o próprio filho ou filha.

 

O jovem e o “templo”

Sobre os desafios da sociedade consumista, Maria Rita Kehl faz uma ressalva em relação aos casos extremos da falta de condições básicas de vida, que, por outras razões, tendem a provocar o desolamento e quadros depressivos nos indivíduos. Segundo ela, “não é que as pessoas já tenham de tudo, que nada mais lhes falte. Mas, talvez, o que falte às pessoas atualmente seja um sentido para suas vidas, o que não se vende num shopping center.

Maria Rita recorda a onda dos rolezinhos na década passada de jovens que se reuniram para lotarem os shoppings não com o objetivo de roubar ou de comprar, mas de se mostrarem. O shopping passou a ser o templo deles: o lugar de encontro, de experiências, de vivências, de conversas, de diálogos. Um lugar onde seriam vistos e compreendidos. Havia nesses rolezinhos também algo desejável: “os jovens, sobretudo os de classe média, se viam distantes dessa sociedade do consumo capitalista. Queriam, no fundo, eles desejavam mostrar que aquele espaço era público e que eles podiam sim, fazer parte deles”. Esse movimento começou a sofrer impactos e a ser mal visto, porque simplesmente revelava que os jovens eram seres de desejos. E seus desejos não incentivava a roda do mercado.

 

Jovem, tecnologia e violência

O último ponto abordado pela Dra. Maria Rita foi a questão da tecnologia englobando essa “sociedade das Redes Sociais” e a questão da violência crescente entre os jovens. Ela inicia afirmando que um grande incentivo dessa “sociedade depressiva” crescer tanto é a motivação da indústria farmacêutica acerca dos antidepressivos. Ela afirma que “há uma propaganda não apenas dos remédios, mas também das doenças. Mesmo na crise, é uma das que mais cresce e gera lucros”.

Nós temos fôlego para acompanhar os relógios apressados hoje em dia? “Perdemos o valor da experiência, afirma Maria Rita. A depressão, pode ser vista como um sentimento social, as pessoas sentem que suas vidas não valem mais a pena. Jovens se mutilam em seus castelos fechados – em seus quartos – porque suas vidas não encontram sentido de existir”. “Tempo não é dinheiro. Isso é banalidade pra nossa vida. O tempo é vida. E é a nossa vida”, completa Maria Rita.

Segundo Maria Rita, nós estamos vivendo um momento de violências e de incentivo à violência que me parece que a possibilidade de sofrermos traumas sociais aumenta. Ela cita a tragédia de Suzano, “não posso explicar o massacre sem conhecer essas pessoas, mas estamos em um contexto em que não é impossível que aconteçam outros”, esclarece. “Há uma incitação à violência. Há, também, e, principalmente para os meninos, não para os homens adultos, mas para os adolescentes, essa confusão entre masculinidade e a capacidade de ser violento”, opina.

Com esse uso abusivo das Redes Sociais, tudo parece ir perdendo o controle. Como dissemos no início, “todo castelo tem uma fraqueza, uma passagem secreta em que o príncipe, a princesa pode escapar. Isso é o que as Redes Sociais representam para os nossos jovens: uma forma de escapar daquilo que não falta e ir atrás da falta”. É preciso deixar que a falta se faça em nossas crianças, para que elas possam buscar. Para Maria Rita esse é o caminho mais seguro: “é preferível estar atento na busca que nossas crianças empreenderão, do que perdê-los em sua juventude quando forem buscar aquilo que nunca faltou”, conclui.

É preciso construir a “sociedade do gozo”, da falta, do desejo, da busca, do querer. Compreendemos que a bruxa má, a madrasta, o vilão, sempre existirão para tirar de nós o que mais amamos. “Amar, não significa nada faltar. Entendam que amor, carinho, afeto não simboliza ausência do sofrimento. É preciso a falta para que a criança, o jovem possam buscar amor, amigos, carinho...” E é nesse momento que o papel do rei e da rainha entra: o de mostrar o caminho do amor, da amizade, da família... do gozo.

 

Christian Maia Moreira *

christian.maia@sga.pucminas.br

 

Frt. Dione Afonso, SDN *

dafonsohp@outlook.com

* Alunos da Graduação do curso de Jornalismo pela PUC-Minas e pesquisadores no campo juvenil na área do esporte, lazer e cultura; e, também na área da religião, pastoral e da literatura.

 

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