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24/10/2020 Jaime C. Patias Edição 3929 Um ano do PACTO DAS CATACUMBAS PELA CASA COMUM
F/ Jaime Patias
"Os que assinaram os 15 compromissos renovaram a sua opção preferencial pelos pobres e assumiram o cuidado da Casa Comum com uma ecologia integral, na qual tudo está interligado"

Assinado em 20 de outubro de 2019, nas Catacumbas de Santa Domitilla em Roma, durante o Sínodo para a Amazônia, Pacto pela Casa Comum completa um ano em busca de uma Igreja com rosto amazônico, pobre e servidora, profética e samaritana.

Por Jaime C. Patias *

O Concílio Vaticano II inspirou um grupo de bispos liderados por Dom Helder Câmara a construir uma Igreja servidora e pobre. Essa utopia foi expressa em 16 de novembro de 1965, nas Catacumbas de Santa Domitilla em Roma, onde poucos dias antes do encerramento do Vaticano II, 44 padres conciliares celebraram uma Eucaristia e, num gesto profético, assinaram o Pacto da Igreja servidora e pobre, mais conhecido como Pacto das Catacumbas. Muitos outros bispos aderiram ao Pacto mais tarde.

Em 13 pontos, os signatários do documento se comprometiam a viver em pobreza, a renunciar a todos os símbolos ou privilégios do poder e a pôr os pobres no centro do seu ministério pastoral. Este Pacto foi considerado a semente da Igreja de Francisco que três dias após ser eleito sucessor de São Pedro, afirmou aos jornalistas: “Como eu gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres!” Bergoglio conhecia bem a “barca” que começava a conduzir.

E foi essa sua sensibilidade com “o grito dos pobres e o grito da terra” que o levou a convocar o Sínodo especial para a Amazônia gestado pela Encíclica Laudato sì (2015) e realizado em Roma de 6 a 27 de outubro de 2019. É a reafirmação de uma Igreja que “não pode esquecer os pobres e o cuidado da Criação”. O Pontificado de Francisco se transformou numa forte chamada à conversão da Igreja e dos poderes políticos e econômicos. É óbvio que isso incomoda os que, na Igreja, ignoram os pobres e não querem perder o poder os privilégios. Questiona também os poderosos do mundo globalizado que obedecem unicamente, os desejos de lucro.

UM NOVO PACTO PELA CASA COMUM

Embora não fizesse parte da programação oficial do Sínodo, o dia 20 de outubro de 2019, Dia Mundial das Missões, poderia se tornar uma data histórica novamente, porque no mesmo local do Pacto das Catacumbas de 1965, foi assinado um novo Pacto, desta vez pela Casa Comum: uma Igreja com rosto amazônico, pobre e servo, profético e samaritano. A proposta foi construída nos meses que antecederam o Sínodo e ganhou corpo nas duas primeiras semanas da sua realização em Roma.

Antes do amanhecer, cinco ônibus estacionaram na Via dei Cavalleggeri, próximo à Sala Sinodal para recolher um grupo de bispos participantes do Sínodo, peritos, agentes de pastoral, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, religiosas e religiosos, e diversas lideranças envolvidas nas atividades da Tenda: Amazônia Casa Comum. O destino do grupo foi as Catacumbas de Santa Domitilla no moderno bairro de Ardeatino em Roma.

Com 17 quilômetros de galerias, quatro andares e mais de 150.000 sepulturas, essas Catacumbas estão entre as mais extensas de Roma. Ali foram sepultados diversos mártires do início do cristianismo, entre eles a própria Flávia Domitilla, neta do imperador Vespasiano que doou o terreno aos cristãos, e Nereu e Aquileu que dão nome à basílica semi-subterrânea construída no final do século IV a pedido do Papa Dâmaso I.

Ao descer as escadas de acesso à basílica, o silêncio e a comoção foi tomando conta do grupo que logo foi avisado das restrições com as fotos. A música “sob a luz dos mártires da fé”, do cantor e compositor popular, Antônio Cardoso, anunciava o significado da visita. “Voltamos aqui, quantas vezes forem necessárias. Depois do Concílio a gente se encontrou para caminhar com os pobres e Jesus. Voltamos aqui, para nos redimir na Amazônia. Pactuamos todos nestas tumbas, sob a luz dos mártires da fé”. E utilizando tintura vermelha extraída da semente de urucum da Amazônia, todos foram deixando suas impressões digitais em um pano brando, símbolo da memória do Mártir Jesus e dos que pela fé n’Ele derramaram seu sangue.

Padre Oscar Beozzo recordou a história do Pacto de 1965 e destacou a liderança de Dom Helder Câmara, Dom Leonidas Proaño, bispo dos indígenas no Equador e Dom Enrique Angelelli, assassinado pela ditadura militar da Argentina.

A Eucaristia foi presidida pelo cardeal Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) que teve ao seu lado o cardeal Pedro Barreto, arcebispo de Huancayo no Peru, vice-presidente da REPAM e Dom Erwin Kräutler, bispo emérito da Prelazia do Xingu no Pará. A lembrança do Primeiro Pacto também esteve presente na estola de Dom Helder, usada na missa pelo cardeal Hummes que, emocionado, no final a entregou à Dom Erwin, um dos grandes profetas vivos da Amazônia.

A túnica de Dom Helder também estava presente, usada por Dom Adriano Ciocca, bispo de São Félix do Araguaia, igreja que guarda a memória de Dom Pedro Casaldáliga, um daqueles que levaram o Pacto ao extremo. O cálice e a patena usados na missa pertenceram ao padre Ezequiel Ramin, missionário comboniano italiano, martirizado em Cacoal, Rondônia no Brasil, em 1985 a mando de latifundiários da região. Diferentemente do primeiro, este Pacto pela Casa Comum foi assinado por todos os presentes (mais de 200 pessoas entre as quais 80 padres sinodais e dois membros de outras igrejas delegados fraternos no Sínodo) com destaque para a participação dos indígenas e das mulheres. O documento foi posteriormente assinado por muita gente comprometida com a defesa da Casa Comum em todo o mundo.

Os que assinaram os 15 compromissos renovaram a sua opção preferencial pelos pobres e assumiram o cuidado da Casa Comum com uma ecologia integral, na qual tudo está interligado; a sustentabilidade da floresta, dos rios e do bioma amazônico; valoriza a diversidade cultural, as tradições espirituais e a defesa do seu modo de viver; deseja caminhar ecumenicamente com outras comunidades cristãs, e religiões; valoriza as comunidades e reconhecer os ministérios; assume um estilo de vida sóbrio, simples e solidário; quer reduzir a produção de lixo e o uso de plásticos, favorecer a produção e comercialização de produtos agroecológicos; defende os perseguidos e a Vida onde essa estiver ameaçada.

Diante dos desafios ecológicos, sociais e eclesiais, este novo Pacto é uma resposta às preocupações do Papa Francisco que ainda na missa de encerramento do Sínodo (27/10), mais uma vez recordou: “Quantas vezes, também na Igreja, as vozes dos pobres não são ouvidas e talvez sejam ridicularizadas ou silenciadas porque são incômodas. Peçamos a graça de saber escutar o grito dos pobres: é o grito de esperança da Igreja”. E como afirma o Pacto: “Com eles temos experimentado a força do Evangelho que atua nos pequenos”.

* Jaime C. Patias, IMC, é Conselheiro Geral para a América.

Fonte: Consolata América

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