Formação Liturgia
Compartilhe esta notícia:
20/06/2023 Pe. José Raimundo da Costa, SDN Edição 3960 Viver a Eucaristia I: Sacramento e Mistério
F/ Pixabay
"A Eucaristia não é só sacramento, mas mistério de vida. Por isso a dimensão do vivencial é fundamental para se conhecer e viver a totalidade do mistério eucarístico. Todas às vezes que se tentou separar essas duas realidades a compreensão do mistério ficou prejudicada."

A Eucaristia concentra todo o mistério salvífico que compreende o celebrativo e o vivencial testemunhado nas atitudes como: fraternidade, misericórdia, perdão, partilha, comunhão, solidariedade, compromisso com o outro. A Solenidade do Corpus Christi é a manifestação eclesial popular dos fiéis, carregando em procissão, pelas ruas e avenidas, bairros e vilas, o ostensório com o Santíssimo Sacramento. É a celebração que exterioriza  o sacramento da missa, mas a Eucaristia não se resume no ato festivo e pomposo, vai além.

1. O sacrifício, a palavra e o banquete

No Antigo Testamento os sacrifícios e imolações a Deus ocorriam no altar de pedra. Os sacrifícios dos animais deram lugar ao sacrifício incruento de Cristo no altar da cruz (Concílio de Trento). No madeiro da cruz, Jesus Cristo se deu em sacrifício, imolando-se para redimir a humanidade.

A Eucaristia também é refeição, preparada e ‘esquentada’ pela Palavra. Jesus celebrou com os apóstolos a Última Ceia, inaugurando a nova era eucarística que veio abençoar e ratificar todo o projeto de vida do Reino de Deus.

Na passagem de Emaús (Lc 24,32-33), na volta dos discípulos para casa, derrotados, entristecidos e decepcionados com os acontecimentos últimos em Jerusalém, caminhavam com o coração frio, sem vida! Um caminhante ‘desconhecido‘, surgido do nada que, com apenas duas frases, provocou-lhes a confidência e a abertura do coração. Enquanto ouviam-no o coração disparava, sentiam-no arder. A Palavra conduzia os discípulos para o mistério eucarístico a se realizar na bênção da refeição.

“Corações ardentes. Pés a caminho”. Os olhos abriram-se com a revelação do Ressuscitado e nova inspiração os dispuseram para retomar o caminho em uma outra jornada. A viagem não terminou em Emaús, continuou na  volta para Jerusalém. De desanimados e decepcionados, frios e entristecidos, se tornaram portadores alegres e corajosos, entusiasmados e convictos de que o final da história não ocorreu no calvário, no quadro triste da morte dolorosa. Jesus Ressuscitou!

 2. A mesa e o caminho

Emaús representa, na realidade, todos os lugares. O caminho que nos conduz é o caminho de todos os cristãos, aliás, de todos os homens. Nos caminhos da vida aparece o Ressuscitado, companheiro de viagem que reacende a esperança e o calor da fé na força da Palavra e no partir do Pão.

Depois da mesa, a ação eucarística - por-se a caminho. O caminho mais curto de viver a Eucaristia, de realizar o projeto de Deus é caminha em ordem horizontal, procurando viver o amor. Quando se inicia o processo de busca do outro, em caráter de fraternidade absoluta, o encontro com Deus é certo!

O amor divino está profundamente ligado ao amor às pessoas. É na vivência da relação humana profunda, comprometedora que se encontra o amor de Deus. No contexto cristão chamamos de fraternidade a vivência do amor entre iguais numa relação de irmãos, semelhante à do parentesco familiar. Portanto a vivência da fraternidade cria a oportunidade do encontro com Deus na relação de amor profundo.

À medida que a pessoa entra no mistério do absoluto concretizado em outro mistério, o da Encarnação, ela encontra na pessoa de Jesus Cristo o sentido para a vida e sente-se remetida à vida de fraternidade.

A Eucaristia é o sinal forte deixado por Jesus Cristo para mostrar que Deus anuncia um mundo diferente, de integração, de encontro, de amor, de paz, de felicidade, de reconstrução.

A Eucaristia não é só sacramento, mas mistério de vida. Por isso a dimensão do vivencial é fundamental para se conhecer e viver a totalidade do mistério eucarístico. Todas às vezes que se tentou separar essas duas realidades a compreensão do mistério ficou prejudicada.

 3. A comunhão

Em seu tempo, o apóstolo Paulo denuncia a Eucaristia dos coríntios (1Cor 11, 17-34), “há entre vós divisões (...) há entre vós muitos doentes e débeis e muitos adormecidos (...) quando vos reunirdes para comer, esperai uns pelos outros. Se alguém tiver fome, que coma em sua casa, a fim de que não vos reunais para condenação.” A realidade da comunidade de Corinto destoava da proposta da Última Ceia. Se, no ato celebrativo alguns já incorrem no erro de comer em abundância deixando os outros em falta, sem ter o que comer, a Eucaristia não existe. Não há comunhão! Desencadeia-se a desigualdade social dentro da própria Ceia do Senhor. Por isso que o Apóstolo condena a atitude de egoísmo e de insensibilidade com a vida do irmão.

A Campanha da Fraternidade deste ano de 2023 tratou da questão. Onde existe fome, a Eucaristia ainda não foi vivida completamente. A Campanha da Fraternidade 2023 trouxe como objetivo conscientizar a população sobre a questão da fome e da insegurança alimentar no país, e promover a solidariedade e a partilha de alimentos. A campanha buscou despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo os cristãos na busca do bem comum. Além disso, a campanha buscou educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência central do Evangelho.

A passagem de Mt 14,13-21, de onde a CF 2023 se inspirou para o lema “Dai-lhes vós mesmo de comer” é uma chamada para “todo seguidor de Jesus que não poderá dizer que não tem nada a ver com a fome, com a miséria, com as necessidades dos mais desfavorecidos. Nossa responsabilidade de seguidores de Jesus compromete-nos com a fome. Nenhum cristão pode dizer que não tem culpa pelo fato de 80% da humanidade ser obrigada a viver com apenas 20% dos recursos disponíveis. Nenhum cristão pode lavar as mãos quando se gastam em armas e extravagâncias recursos que deveriam estar ao serviço da saúde, da educação, da habitação, da construção de redes de saneamento básico... Nenhum cristão pode dormir tranquilo quando tantos homens e mulheres, depois de vida de trabalho, recebem aposentadorias miseráveis, que mal dão para pagar os remédios, enquanto se gastam quantias exorbitantes em obras de fachada que só servem para satisfazer o ego dos donos do mundo... Nós temos responsabilidade na forma como o mundo se constrói” (CNBB, Texto-base, CF 2023 n. 28).

Antes de chegar no altar eucarístico para apresentar a oferta, é necessário levar e m conta o dom da caridade vivida entre os irmãos. Portanto, se você for até o altar para levar a sua oferta, e aí se lembrar de que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe a oferta aí diante do altar, e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão; depois, volte para apresentar a oferta” (Mt 5, 23-24)

Veja a continuação deste artigo: Viver a Eucaristia II: corpo, refeição e eros

 

Compartilhe esta notícia:
Nome:
E-mail:
E-mail do amigo:
DEIXE UM COMENTÁRIO
TAGS
ÚLTIMAS NOTÍCIAS