Por Denilson Mariano
O livro de Gênesis nos traz um belo relato da Criação. Deus, por amor e generosidade, cria o mundo e o faz com beleza e perfeição: “viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Para coroar sua obra, cria o homem e a mulher, à Sua imagem e semelhança e a eles confia esse enorme paraíso, para possam viver felizes. No entanto, nós seres humanos, inquilinos nesta terra, não valorizamos o presente recebido do Criador. Em Gn 1,28 a expressão “submetam a terra”, “dominem os peixes... e todos os seres vivos” foi entendida como senhorio absoluto, ignorando que este senhorio deve ser realizado à “imagem e semelhança” de Deus, não de forma absoluta e irresponsável, destruindo a Criação. Cabe ao ser humano recriar em suas ações o jeito de Deus, agir no mundo à imagem e semelhança do Criador (Gn 1,26).
Por afastar-se de Deus, a humanidade vem colhendo frutos amargos. Vivemos uma crise socioambiental, de raízes antigas, que tem causa históricas, sociais, econômicas e políticas. O modelo capitalista de exploração, para uma expansão desenfreada do consumo, num espírito individualista e numa relação mercantilista com a natureza, promove queimadas ilegais e criminosas, o desmatamento, o extrativismo e a mineração predatórios, a poluição, a degradação do solo, a escassez de água, o comprometimento da biodiversidade, a extinção das espécies, as mudanças climáticas... (TB n. 26).
A crise ecológica tem raízes humanas
Na recente Carta Apostólica Laudate Deum (Deus seja louvado) temos um alerta do Papa Francisco que nos mostra a íntima relação entre os “fenômenos climáticos globais com o crescimento acelerado das emissões de gases de efeito estufa” (LD, 13). As ações humanas desencadeadas com a industrialização capitalista mundial, desde o século XVIII, têm produzido alterações no clima da Terra, os registros mostram que “de 1850 até hoje, a temperatura global aumentou 1,1 graus centígrados, fenômeno que se amplia nas áreas polares” (LD, 12). Não dá para ignorar a “raiz humana da crise ecológica”, é inegável que os enormes progressos tenham conexão (direta) com a desenfreada intervenção humana sobre a natureza nos últimos dois séculos” (LD, 14) (TB n. 27).
O Texto Base da CF 2025 nos aponta que o “modelo econômico brasileiro tem sido dominado pela exploração predatória, pela concentração de terra e riquezas, resultando assim em profundas desigualdades e injustiças sociais e ambientais. A expansão da agricultura predatória, a urbanização desordenada, a falta de políticas ambientais e a exploração insustentável dos patrimônios naturais têm contribuído para a degradação da natureza. [...]Do ponto de vista social, os conflitos fundiários, as invasões de terras indígenas e quilombolas, a violência contra ativistas ambientais e agentes de pastoral, entre outras, são evidências da profunda crise socioambiental no nosso país.” (TB n. 28).
Sinal disso foram as trágicas inundações no Rio Grande do Sul (maio de 2024). “350 municípios devastados, mais de 1 milhão de pessoas desabrigadas, incontáveis famílias enlutadas por seus entes queridos e inúmeros desaparecidos, sem contar a perda de residências com todos os seus pertences, lavouras, animais domésticos e silvestres, e o impacto na saúde psíquica e emocional dos atingido” (TB n. 33)
Mudanças climáticas ameaçam a paz
Além disso, as “mudanças climáticas são também uma ameaça à paz, alimentando a competição por recursos e contribuindo para o deslocamento em massa das pessoas pobres. Várias regiões do mundo enfrentam instabilidade política e violência devido às secas e mudanças climáticas, com previsão de 143 milhões de migrantes ou refugiados climáticos até 2050 em apenas três regiões do planeta (África, América Latina e Sul da Ásia) (TB n. 34). O Papa reforça que por se tratar de ‘um fenômeno global, não podemos confundi-lo com eventos transitórios e mutáveis, que, em grande parte, explicam-se por fatores locais’” (LD 7) (TB n. 35).
Há uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza.” Podemos tomar da terra aquilo que necessitamos para a sobrevivência, mas temos o dever de garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras” (LS 67);É um decênio decisivo para o planeta! Ou mudamos, convertemo-nos, ou teremos um colapso planetário. Não existe planeta reserva!É urgente a conversão ecológica: passar da lógica extrativista, do dominar e submeter, para uma lógica do cuidado;
“Cultivar e guardar”: Por uma Ecologia Integral
Se por um lado a vida é dom, um presente de Deus, por outro é uma tarefa, uma responsabilidade. Ao criar a humanidade, à Sua imagem e semelhança, Deus lhe confiou a Terra, o Jardim por Ele plantado como sendo a Casa Comum para todos os seres humanos, lugar para viver bem e ser feliz. Daí a missão decorrente desse dom: “cultivar e guardar” o mundo, o jardim de Deus (Gn 2,15)
A restrição em não comer da árvore do “conhecimento do bem e do mal” visa educar para a obediência. Ou seja, não tomar o lugar de Deus. Reconhecer-se criatura é caminho para garantir a vida humana e a vida do planeta que estão profundamente interligadas; A vida humana está intimamente conectada com as condições de vida do planeta. As ameaças à Terra, ameaçam a sobrevivência humana.
O Papa Francisco, na sua Carta Laudato Si, em que trata do cuidado da Casa Comum, por três vezes cita Gn 2,15 e assim reflete: “A harmonia entre o Criador, a humanidade e toda a criação foi destruída, por termos pretendido ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecer-nos como criaturas limitadas. Este fato distorceu também a natureza do mandato de “dominar” a terra (Gn 1,28) e de “a cultivar e guardar” (Gn 2,15) (LS 66). E acrescenta: “Enquanto ‘cultivar’ quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, ‘guardar’ significa proteger, cuidar, preservar, velar” (LS 67). E ainda, ao falar da dignidade do trabalho humano nos recorda que “Deus colocou o ser humano no jardim recém-criado (Gn 2,15), não só para cuidar do existente (guardar), mas também para trabalhar nele a fim de que produzisse frutos (cultivar)” (LS n. 124).
Através desta CF 2025, Deus nos chama a vivenciar a Quaresma com um grande louvor pela beleza da Criação; “Quem ama cuida!” Somos chamados a fazer um caminho decidido de conversão ecológica e de vivência da Ecologia Integral.
Conversão Ecológica
A conversão ecológica é um apelo que visa transformar a forma de pensar e agir das pessoas em relação ao mundo e à criação. Trata-se de um aprofundamento da conversão pessoal, que deve iluminar todas as dimensões da nossa existência. Ela visa também a dimensão comunitária, somando forças para a defesa da vida humana e da vida no planeta. A conversão ecológica deve levar a uma mudança de estilo de vida, com menos consumo, desperdício, degradação e exclusão social.A conversão ecológica tem foco tanto nas pequenas quanto nas grandes decisões. As pequenas (micro relações) consideram o dia-a-dia, como a forma de consumo, o uso de energia e o lixo produzido... Mas considera também as grandes decisões de governo (macro relações) e das grandes corporações, em seu impacto sobre o meio ambiente. A conversão ecológica diz respeitos às nossas escolhas e decisões a nível pessoal, comunitário e social. Uma ecologia integral pede uma conversão ampla.
A Ecologia Integral não é a “ecologia verde”, voltada apenas para o cuidado e preservação da natureza, das florestas, dos rios e aguas, o combate à sua degradação... É o cuidado do ambiente em que vivemos: da cidade, do trabalho, da família, da espiritualidade, das relações humanas e sociais na nossa Casa Comum. É integral pois envolve tudo o que nos cerca.
A CF nos aponta a importância da Ecologia integral (TB 45 a 53) e reforça que estamos diante de um “dilema ético”, de uma encruzilhada: ou mudamos nossa maneira de ser e agir em relação com a Criação, superando a ideia de “dominar e submeter” pela prática de “cultivar e guardar” (cf. Gn 2,15) -ou deixaremos para as gerações futuras uma Casa Comum insustentável, contrariando o projeto de Deus (cf. TB 38);
O Papa Francisco, insistentemente em nos lembrado isso na Laudato Si (2015) uma encíclica sobre a Casa Comum e agora na Laudate Deum(2023), sobre as mudanças climáticas: “não estamos reagindo de modo satisfatório”, “este mundo que nos acolhe está se desfazendo e, talvez, aproximando-se de um ponto de ruptura” (LD, 2).
Por sua vez e ainda antes de Francisco, a Carta da Terra: (ano 2000), já apontava a gravidade da situação socioambiental: “Estamos diante de um momento crítico, a humanidade deve escolher o seu futuro. (...) formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição. (...) Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados...” Mais uma vez: “Eis o tempo de conversão, eis o dia da Salvação...” Voltar para Deus, demonstrar nosso amor a Cristo implica uma conversão ecológica integral.
Aprofundamento: Vamos assumir o cuidado com a Criação ou insistir na nossa destruição? Por quê?
O Papa Leão XIV pretendeu, tão só, apontar-nos os bons caminhos de Jesus, pois o amor é o rosto da fé e a fé verdadeira só pode se expressar como caridade (nº 29); “só o amor é digno de fé”, nas palavras de um célebre teólogo. E o fez indicando o imperativo do amor que merece o nome cristão: “o amor para com os pobres”. Afinal, só o amor para com os pobres é digno de fé.
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