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O Papa Francisco e a Doutrina Social da Igreja

Por Prof. Dr. Elvis Rezende Messias

Estamos vivendo tempos de profunda comoção por causa da Páscoa definitiva do amado Papa Francisco, que voltou à Casa do Pai no dia 21 de abril de 2025. Neste texto, gostaria de fazer uma singela homenagem a esse grande homem através de uma breve memória de algumas de suas contribuições à Doutrina Social da Igreja (DSI).

Em primeiro lugar, cumpre destacar que, com Francisco, temos talvez a inauguração de uma nova fase do desenvolvimento histórico-teológico da DSI. Vejamos (cf. Sorge, 2018; Messias e Cruz, 2020):

  • Entre 1891 e 1931 tivemos uma primeira fase da DSI, com a força da encíclica Rerum novarum (RN) do Papa Leão XIII, que inaugurou um momento especial de diálogo entre a teologia moral católica, a filosofia social cristã e a questão social da sofrida vida laboral de operários.
  • Entre 1931 e 1958, com os pontificados de Pio XI e Pio XII, tivemos uma segunda fase da DSI, com um movimento marcante de tentativa de proposição de uma “nova cristandade”, com a perspectiva de que a sociedade humana deveria voltar a se guiar plenamente pelos princípios políticos, sociais e econômicos do catolicismo e pela autoridade hierárquica da Igreja Católica.
  • Entre 1958 e 1978, diante da evidente crise das ideologias conflitantes (capitalismo/socialismo, liberalismo/comunismo), tivemos com os pontificados de São João XXIII e de São Paulo VI uma terceira fase da DSI, destacadamente dialogal e com uma metodologia mais indutiva de análise da realidade e de proposição de luzes e alternativas. É a época do acontecimento e da implementação das propostas do Concílio Vaticano II.
  • Entre 1978 e 2013, diante da complexificação das “questões sociais” de todo o mundo, tivemos com os pontificados de São João Paulo II e de Bento XVI uma quarta fase da DSI, com a proposta de um novo e global humanismo integral e solidário, com vistas à proposição de um novo modelo de desenvolvimento ao mundo a partir de um intenso destaque ao princípio da dignidade integral da pessoa humana, nitidamente assumido como o princípio central da DSI.
  • E entre 2013 e 2025, tivemos uma quinta fase da DSI, com o pontificado de Francisco, que propõe uma intensa “revolução evangélica” da missão da Igreja, focada na força transformadora do Evangelho, nitidamente apresentada como mais eficaz que quaisquer tratados teológicos e como a fonte primaz e urgente de uma Igreja em saída, acolhedora, misericordiosa, terna, inclusiva, pobre e para os pobres, autocrítica, dialogal, sinodal e, ao mesmo tempo, menos masculinizada, menos burocrática, menos engessada em regras tradicionalistas, dentre outras revoluções evangélicas, cujos processos o Papa Francisco iniciou.

Também devemos destacar a riquíssima contribuição do magistério social do Papa Francisco no âmbito da questão ambiental. Com a sua proposta de uma ecologia integral, Francisco foi um incansável anunciador da necessidade de uma conversão integral que, como tal, convoca a uma inevitável conversão ecológica. Francisco foi o primeiro papa a publicar dois documentos da DSI exclusivos sobre a temática ambiental: a Encíclica Laudato si’, de 2015, sobre o cuidado da Casa Comum; e a Exortação Apostólica Laudate Deum, de 2023, sobre a crise climática. Neste ano de 2025, a Campanha da Fraternidade proposta pela Igreja Católica no Brasil nos faz refletir, rezar e mudar de hábitos justamente a partir do Tema “Fraternidade e Ecologia Integral”, à luz do Lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Vale lembrar que o Papa Francisco também publicou a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia, de 2020, um importante documento sobre a complexidade e integralidade da ação evangelizadora da Igreja na região panamazônica. A “questão ambiental” sempre esteve presente na DSI, mas nunca teve o destaque tão específico que ganhou no pontificado de Francisco.

Nessa perspectiva, Francisco também se destacou ao fazer profundas e insistentes denúncias de realidades que, em seu magistério social, foram vistas como muito problemáticas e das quais não devemos nos permanecer reféns ou dependentes, a saber:

  • a economia capitalista com suas idolatrias e seus dogmas falaciosos (dinheiro que governa em vez de servir; mão invisível do mercado; teoria do gotejamento; autorregulação da natureza econômica, com a não intervenção do Estado nessa matéria; a política feita refém da economia mercadológica; o desenvolvimentismo economicista);
  • o paradigma tecnocrático;
  • a corrida armamentista e as guerras frequentes que se retroalimentam;
  • a fragmentação absoluta das crises atuais e a dificuldade de reconhecer que os pobres são os primeiros e mais diretamente afetados por essas visões reducionistas da realidade;
  • o antropocentrismo ou humanismo autorreferenciado;
  • o tradicionalismo apegado em modelos sociais e eclesiais de um passado idealizado;
  • as ideologias, que, com suas variadas vertentes, mutilam o Evangelho e minam a força, a esperança, a fé e a coerência dos cristãos…

Em contrapartida, o Papa Francisco também se destacou ao fazer profundos e insistentes anúncios de realidades que, em seu magistério social, foram vistas como fundamentais para uma transformação consistente, justa e verdadeiramente humana e divina de todo o mundo, a saber:

  • a centralidade do protagonismo dos pobres na evangelização e na transformação da sociedade injusta;
  • a força transformadora da atuação política dos organismos intermediários da sociedade civil organizada;
  • a força do perdão em lugar da força das armas;
  • a insistência na misericórdia, vista não somente como um ato de Deus para conosco, mas como uma lei social irrenunciável, fonte de inspiração para as relações entre as pessoas e também para as relações das sociedades e dos Estados entre si;
  • a dignidade da política e a necessidade de que ela seja redescoberta e promovida;
  • a necessária e transformadora poesia dos movimentos populares, cujos membros foram frequentemente chamados de “poetas sociais” por Francisco;
  • a insistência no diálogo aberto e fraterno entre as diferentes religiões e também entre as diferentes denominações religiosas pertencentes ao próprio cristianismo;
  • a valorização igualitária e equitativa, em perspectiva inter e transdisciplinar, dos saberes científicos, religiosos, populares, filosóficos, artísticos e literários;
  • a beleza e a necessidade de vivermos uma sobriedade feliz, revendo nossos ideais de sucesso, de progresso, de desenvolvimento e de consumo, convidando-nos à coragem de desacelerar e de decrescer em algumas áreas econômicas;
  • a defesa da vida em toda a sua integralidade, desde a concepção até à morte natural;
  • o intenso amor e cuidado solidário com o desenvolvimento integral de crianças, de jovens, de adultos, de trabalhadoras e trabalhadores, de pessoas desempregadas e/ou subempregadas, de idosos descartados e abandonados;
  • intenso amor e cuidado solidário com as pessoas pobres, migrantes, encarceradas, em situação de rua, traficadas, prostituídas, sob vícios diversos;
  • intenso amor e cuidado solidário também com pessoas indígenas, pessoas negras, mulheres, LGBTQUIA+ e tantas outras situações e/ou periferias geográficas e existenciais que colocam seres humanos em condições profundamente desumanas;
  • intenso amor e cuidado solidário com todas as formas de vida no Planeta, todas elas reconhecidas como frutos do Amor Criador de Deus, que vê que tudo é muito bom (cf. Gn 1,31);
  • o humanismo situado ou referenciado em Deus, na Casa Comum e num profundo sentido de fraternidade e de solidariedade de origem e destino que há entre tudo, todas e todos…

Enfim, poderíamos elencar ainda muitíssimas outras contribuições do magistério social do Papa Francisco, mas não caberiam em um texto como este, que deveria ser o mais objetivo que pudesse. Aliás, ao longo de seu pontificado, muito se refletiu e se publicou sobre isso. Entretanto, a você que leu estas linhas, convido a ampliá-las, fazendo, seja no silêncio do seu coração, seja através de outras expressões comunicativas, também o seu próprio texto, ou seja, a sua reflexão profunda e agradecida sobre as incontáveis graças que a Palavra Eterna de Deus nos concedeu através das palavras e atitudes históricas de Francisco.

Peçamos ao Senhor da Vida que o magistério do primeiro papa latino-americano também se eternize na história da Igreja e que agora, ainda mais, ele seja fecundo em nos inspirar e a levarmos adiante, com coragem, profecia, ternura, esperança e fé, tantos ensinamentos que esse querido pontífice nos legou. Verdadeiramente, Jesus Ressuscitado está no meio de nós e seguirá caminhando conosco todos os dias, até o fim do mundo (cf. Mt 28,20)! Pessoas como o Papa Francisco são um sinal eloquente de que Deus jamais nos abandonará. Obrigado, Deus. Obrigado, Francisco.

 Prof. Dr. Elvis Rezende Messias –Cristão leigo da Diocese da Campanha/MG. É casado, trabalha como professor-pesquisador e é autor do livro O evangelho social: manual básico de doutrina social da Igreja (Paulus, 2020), escrito com D. Pedro Cruz, bispo da Campanha.

Fonte: Diocese de Campanha-MG

 

 

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