O documento tem 13 páginas, 44 pontos. É uma carta de tom poético, sem grandes construções teologais ou doutrinais, soando como recomendação pessoal do Papa, endereçada aos sacerdotes, agentes de pastoral (leigos e leigas?) e qualquer cristão/cristã. Sobre a importância da leitura, do uso da Literatura no caminho de amadurecimento pessoal. Francisco reclama da falta de atenção dada à Literatura pelos futuros e atuais sacerdotes, que movidos muitas vezes por fake news, não conseguem fazer desabrochar a riqueza da sua própria pessoa após lerem um livro.
Francisco propõe uma mudança de atitude em relação à Literatura na formação sacerdotal: a Literatura tem a ver com o que cada um de nós deseja na vida.
Francisco retoma o Vaticano II: a Literatura inspira-se na cotidinianidade vivida. A missão eclesial soube desenvolver-se toda a sua beleza graças à Literatura exprimindo toda riqueza e profundidade do Evangelho.
Cita o apóstolo Paulo e seu contato com a Literatura: o diálogo edifica pontes.
Conclama a todos, todas nós a nunca perdermos de vista a carne de Jesus Cristo.
Nos orienta a olhar todas as coisas a partir da poesia. O olhar pela poesia transforma!
Insiste em dizer que a Literatura pode tornar os futuros sacerdotes e agentes de pastoral mais sensíveis à plena humanidade do Senhor.
Um grande bem é apontado: o hábito de ler produz muitos efeitos positivos na vida de uma pessoa. Preparando-a para compreender e enfrentar as situações que surgem na vida.
É preciso urgentemente redespertar o amor pela leitura!
Cita Jorge Luis Borges: o mais importante é ler, entrar em contato direto com a Literatura, mergulhar no texto vivo que se tem diante de si, mais do que fixar-se em ideias e comentários críticos.
Alerta para ouvir a voz de alguém! Não esqueçamos o quanto é perigoso deixar de ouvir a voz do outro que nos interpela!
Tocar o coração! Comover! Abrir-se! Só a palavra é intimamente capaz de libertar tudo o que mantém encarceradas as realidades não expressas. O objetivo da vida: conduzir ao bem e à beleza!
Ato de ler = Ato de discernir. O sujeito da leitura é objeto do que está lendo. E é lido pelas palavras que vai lendo.
A Literatura nos faz ver através dos olhos das outras pessoas, produzindo em nós um descentramento. É necessário quebrar os ídolos autorreferenciais.
Ao ler e reler a Carta me veio à mente a canção de Caetano Veloso: ALGUÉM CANTANDO, e os filmes: SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, O CARTEIRO E O POETA e AVATAR.
Contudo, enquanto considerações finais de uma primeira impressão, pensei que o texto iria em um sentido de valorizar a leitura como capacidade de conhecimento, interpretação, exercício crítico e de imaginação. Então estou um pouco decepcionado, pois o Papa se detém no alcance imaginário e na capacidade de empatia que brota da Literatura, só que que ele não se refere propriamente a conhecimento, e sim à imaginação, narrativas e poesias.
Em poucos trechos da Carta volta a aludir ao caráter interpretativo e de exercício de discernimento crítico.
Direciona a formação dos novos sacerdotes... faz pouco sentido em um mundo no qual esse exercício de leitura, interpretação, analise crítica e reflexiva, está em queda...
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Emerson Sbardelotti
Doutor em Teologia pela PUC-SP
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