Creio piamente que as portas do Inferno não prevalecerão sobre a Igreja. Não a derrotarão. Garantia do próprio Cristo (Mt 16,18). Sou tomado por uma esperança que não decepciona (Rm 5,5). Porém, constato que as mudanças culturais e geopolíticas do atual momento histórico, estão engolindo esta Igreja, apesar do evento Francisco. O Papa foi bem mais longe do que seria previsível, mas vai deixar o papado, com algumas batalhas ganhas e com inúmeros desafios em aberto. Não relativizo de modo algum o ineditismo ou a coragem de Francisco em aplicar os conceitos do Vaticano II, indo bem mais além. Ele impulsionou a Igreja para fora da sua autorreferencialidade e lhe lembrou qual a razão de ser da sua existência. Conclamou-a a ser pobre e a estar ao lado dos mais desfavorecidos. Chamou-a a ser sinodal e mais “democrática”. Levou-a a enfrentar profeticamente os poderosos, denunciando as aberrações da destruição do planeta e as suas atitudes xenófobas com os emigrantes e refugiados, bem como combateu a homofobia e até aumentou o número de mulheres em cargos de poder na Cúria Romana.
A Igreja continua letárgica Contudo, paradoxalmente, a Igreja continua letárgica. Após um período de euforia com o Concílio e encontrando caminhos de reflexão na práxis libertadora latino-americana, começou apresentando dificuldades em aceitar a perda do status adquirido ao longo da cristandade. Não aguentou a exigência de ser uma Igreja minoritária, transformadora de base. Com um instinto equivocado de sobrevivência, buscou no passado, a sua melhor performance para apresentar a um mundo em profunda mudança de época. E encontrou espaço e aplausos! O avanço da extrema direita mundo afora, acolhe com especial prazer e simpatia uma Igreja travestida de idade média. A aliança com o religioso é de fundamental importância para essa ideologia. É o glamour da volta da antiga disciplina e dos valores de uma humanidade que “era feliz”! A Igreja sucumbiu. Aos que me interpelam sobre “que Igreja” estou falando, a resposta é: a Igreja “de Francisco”! Sim! A hipocrisia e a esquizofrenia presidem a esta Igreja espalhada pelos cinco continentes. Sob a admiração e o respeito exterior ao atual papa, pululam nas alcovas as traições mundanas de quem flerta com outro ideal bem diferente. A prova? Olhemos as Seminários, os padres jovens, as rendas medievais, as procissões, o autoritarismo, o narcisismo, o clericalismo crescente... Tudo conspira contra Bergoglio. As estruturas eclesiais são pesadas e caríssimas, os padres auferem dividendos de classe média e os bispos ganham muito bem. As louváveis e respeitosas exceções confirmam a regra. O “intelectualismo estéril” de quem usa diplomas pagos pelo óbolo da viúva, enquanto deveriam servir à Comunidade. As vocações aumentam em continentes em que a pobreza grassa, por razões que me parecem óbvias. Os padres do primeiro mundo se debatem pela sobrevivência, num habitat de sacramentalismo, beirando a simonia. Um salve-se quem puder, com pouquíssimo controle público ou eclesial. Por sua vez os do sul global ganham acima da média dos seus concidadãos. O mundanismo felino se instalou nas células do corpo eclesial. Um colega me dizia há meses atrás: “Roma bem fala...”!
“Se não puder vencê-lo junte-se a ele”. O provérbio antigo ganha consistência na referência a uma Igreja que passou de crítica do mundo nos últimos dois séculos antes do Vaticano II, a aliada e nele bem integrada, após cinco décadas de ensaio de diálogo propositivo, como recomenda a Gaudium et Spes. Nunca como hoje, a “nova cristandade” se sentiu tão “em casa”. Bispos e padres movem-se apoiando regimes totalitários ou se calam perante desafiantes do Estado de Direito. No Brasil, não foram poucos os que apoiaram as atitudes do inelegível, mesmo com o deboche pela vida humana em tempos de pandemia! Nos EUA, sem grandes surpresas, apenas uma minoria critica as agendas de Trump, por mais desumanizadoras e perigosas que se apresentem! Ao discurso incisivo do ancião Francisco apontando para caminhos de libertação, sobrepõem-se atitudes medíocres de rigidez e aprisionamento da mensagem evangélica em invólucros enferrujados. A discussão sobre percentuais é inócua. O povo não entra nessa contabilidade! Nunca entrou. Calcula-se que no Brasil uma boa parcela dos bispos indicados por Francisco não esteja sintonizada com a sua eclesiologia! Se estivessem e exercessem a sua responsabilidade pastoral e governativa na Igreja Particular, coibiriam abusos que desafiam à luz do sol o atual papa! Inibiriam e admoestariam os verdadeiros mestres dos nossos seminaristas, acabando com este jogo de faz de conta em que se encontra a formação atualmente! E não empoderariam com cargos e “paróquias cobiçadas”, os jovens deslumbrados com o poder clerical que acabaram de receber na ordenação. Assim eles pensam!
Não acredito que este modelo de Igreja sobreviva muito tempo. Mas estou convicto que no momento atual, ele tenda a se impor, consolidando-se majestosamente através de imponentes liturgias e assédio ao poder, para continuar a usufruir dos dividendos dos velhos e saudosos tempos da cristandade. Um papa, por mais longevo que seja, não conseguirá mudar esta configuração. Desde o saudoso Paulo VI que vemos iniciativas fortes e brilhantes, mas insuficientes para uma mudança profunda que devolva à Igreja o caráter testemunhal dos primeiros séculos. Na minha terra se diz que “Roma e Pavia não se fizeram num dia”! A esquizofrenia, já denunciada em vários textos, aponta para belíssimas reflexões com baixíssima incidência nas bases. Um distanciamento anacrónico (visto que o Concílio o aboliu), entre os batizados em geral e a hierarquia que ainda é detentora do poder deliberativo e executivo. Observa-se agora, uma tirania do Direito Canônico atraindo inúmeros presbíteros para o mestrado e doutorado e impondo-se sobre a pastoral. O mesmo Direito Canônico que reclama (após o Sínodo) por uma revisão profunda. Abordar a Igreja sob esta visão, não nos impede de entendê-la na ótica de um “entardecer estonteante” repleto de promessas para o dia seguinte, como já foi indicado. É a um modelo de cristianismo falido que nos referimos. A uma Igreja que não dança conforma a música de Francisco. Talvez esta Igreja falida, aguarde ansiosamente a passagem deste papa. Sinto dizer que, graças a Deus, podem ficar decepcionados tendo em vista o perfil dos novos cardeais. A confirmar!
Uma Igrej prisioneira Uma Igreja acoplada por uma cultura pós moderna, é uma Igreja prisioneira do exibicionismo, narcisismo, superficialidade, mediocridade, que tende a enveredar pelos caminhos da auto ajuda e do coach, longínquos do Evangelho. E assim, não nos surpreendemos com a exposição saturada de padres jovens na mídia, anunciando todo tipo de curso online, exceptuando-se a Doutrina Social da Igreja! Voltou a apologética com toda a intensidade e a exposição da “sã doutrina” intrepidamente. Ora, este modelo esquiva-se furtivamente à eclesiologia de Francisco, como a areia entre os dedos. A queda da cristandade ocorreu oficialmente em 11 de outubro de 1962, com o belíssimo e profundo discurso de S. João XXIII na abertura do Concílio. Sabemos que a recepção do Vaticano II encontrou imensas dificuldades, que expressaram as tensões já existentes na elaboração dos documentos. Passados cinquenta anos, a cristandade não saiu da Igreja, manifestando-se agora mais atrevida do que nunca! O mundo que emergiu no século XXI, repleto de incertezas e inseguranças, arrastou a Igreja para a busca desenfreada de um passado perdido. A crise das e nas instituições, fomentou oportunistas que sem pudor defendem teses anti-Francisco e anti-Concílio! Este modelo de Igreja é francamente majoritário e só parará num evento cismático ou com a tomada do poder. A conferir! As indicações sinodais têm potencial para frear este processo. Os critérios e os moldes da nomeação de bispos, uma revisão da necessidade dos núncios apostólicos, a valorização efetiva das mulheres, a ordenação de homens casados e o acesso dos leigos ao poder decisório. Uma Igreja que escuta... A Igreja ainda não acredita que o mundo que conhecemos acaba em 20/01/25 e que arroubos autocráticos não cabem mais. Francisco um profeta, vislumbrou em 2013 (ou bem antes) que a fidelidade ao Evangelho passava por caminhos bem distintos dos que trilhávamos. De lá para cá teve o evento Trump e com ele tudo mudou. Para pior! O profetismo da Igreja é hoje mais necessário do que nunca, porque neste “admirável mundo velho” o homem será ultrajado, escravizado e descartado e viverá num planeta exponencialmente agredido. Os panos classificatórios da classe clerical, só servirão para legitimar a demência deste novo caldo cultural (peço perdão ao termo). A esperança que nos torna peregrinos atentos, é a mesma que nos impele a lutar por uma Igreja que acreditamos e cujo fundamento é o Profeta Jesus de Nazaré e os Apóstolos. A denúncia do revisionismo do passado recente e da adoção de eclesiologias ultrapassadas, deve ser nosso dever. Francisco agradece!
Pe Manuel Joaquim R. dos Santos Coordenador Clero Arquidiocese de Londrina
Todos os rios nos conduzem a Jesus, porque ele é aquele que é o Cristo, o filho de Deus vivo. Então também nós, os pescadores, as pescadoras, na luta, na labuta do dia a dia, nas dificuldades que temos para arrumar o peixe para poder vender, para sustentar a família, nós fazemos como Pedro, reafirmamos, tu es o Cristo, o Filho de Deus vivo, e não desanimamos...
“Toda a Faixa de Gaza é um teatro de guerra, não há um lugar mais seguro do que outro”. E os bombardeios continuam também perto da igreja, traumatizando a comunidade que, desde o início da guerra, já contou com vários mortos.
A sinodalidade torna-se profecia em três direções principais: primeiro, como profecia de fraternidade e unidade, numa cultura que isola e fragmenta ; Em segundo lugar, como profecia do diálogo e do bem comum, em contraste com modelos autoritários de poder; e terceiro, como uma profecia de justiça social e cuidado com a nossa casa comum, onde a Igreja “escuta os gritos dos pobres e da terra” e age de acordo.
A sinodalização é um processo de renovação que implica “colocar no centro a participação, a corresponsabilidade e a escuta comunitária”. Por sua vez, a desparoquialização exige a superação de uma visão fechada e autorreferencial da paróquia, para abrir-se a uma pastoral mais territorial, missionária e em saída, capaz de responder aos desafios e às periferias de hoje.