Por Luis Miguel Modino
A Rede de Universidades para o Cuidado da Casa Comum (RUC) está reunida na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para refletir sobre a Dívida Ecológica e a Esperança Pública, 10 anos após a Laudato Si, em vista da COP 30, que será realizada em Belém, Brasil, em novembro de 2025.
Nós somos aqueles que sabemos
Um dos palestrantes desta conferência é o Arcebispo de Lima, Cardeal Carlos Castillo. Ele sustenta que na universidade, "segundo a linha de pensamento moderna, o que desenvolve o conhecimento, tanto filosófico quanto científico, depende das ciências sociais, exatas ou experimentais, mas sempre há uma tendência, na mentalidade moderna, a dizer que nós é que sabemos".
Uma dinâmica que, seguindo Kant ou Descartes, “penso, logo existo”, leva à especulação de que “o pensamento domina a existência”. Nesse sentido, o cardeal enfatiza que o pensamento “ajuda a existência, mas não pode dominá-la, porque a existência é muito maior que o conhecimento; o conhecimento vem depois”. Para Carlos Castillo, "o mundo moderno gerou uma forma muito subjetiva de se relacionar com a realidade. Os humanos dominam a natureza e a visão atual que temos de tecnologia, negócios e governo. Eles detêm a verdade e a impõem a todos."
Risco de a universidade não compreender a realidade
A partir daí, ele deduz que "nas universidades, há sempre o risco de não compreender a realidade, de não reconhecer a complexidade, de não reconhecer os aspectos positivos que nos vêm do próprio mundo. Desenvolvemo-los teoricamente, cientificamente, com alguns elementos de segurança, em consonância com a geometria de que falava Pascal. Mas isso é insuficiente, porque o que nos permite relacionar-nos com a realidade é a intuição e a sabedoria, que é uma dimensão da compreensão humana, que não é meramente subjetiva ou de acordo com o que já se sabe, mas de acordo com a novidade que a realidade apresenta. É o que chamamos de atitude humana de se surpreender com as coisas."
"Assim como quando as Ciências Sociais surgiram, por admiração pela existência de movimentos sociais que abriram caminho para o mundo", afirma o Cardeal Castillo. Em sua opinião, “a sociedade também pode ser estudada cientificamente, mas sempre se deixando questionar pelos desenvolvimentos sociais”. Seguindo essa lógica, "hoje, a deterioração gerada na criação, na natureza, é tão grande que nos surpreendemos com o nosso próprio impacto negativo sobre ela. Positivo, mas também negativo. Temos agora a oportunidade de regenerar o mundo a partir de diferentes teorias, sabendo que exageramos a forma como nos relacionamos com ele por meio da dominação."
Pontes entre diferentes formas de pensar
Analisando as contribuições das visões de mundo indígenas para a reflexão universitária de uma perspectiva mais prática e experimental, o cardeal reflete sobre como construir pontes entre diversos modos de pensamento. Dessa perspectiva, ele diz: "Em outras ocasiões, quando o tema da pobreza surgia, por exemplo, estudantes de universidades latino-americanas saíam para socializar". Portanto, "hoje somos chamados não apenas a nos conectar com o pensamento desses povos, mas a gerar uma espécie de relação direta e viva de partilha, reconhecimento, fraternidade e amizade entre universidades e povos, que nos permita verdadeiramente estar a serviço de todas as suas descobertas e intuições. E que possa, simultaneamente, ser uma grande contribuição para toda a humanidade."
Nesse sentido, ele reconhece que "a melhor maneira de estabelecer uma conexão teórica entre o pensamento comunitário e o pensamento científico, teórico e universitário reside fundamentalmente no contato direto e numa relação amistosa de apoio mútuo. A experiência comum é fundamental, estabelecendo laços de experiência", relatando como o contato dos estudantes com comunidades populares e situações difíceis foi extremamente útil em outros momentos da história, o que exige maior voluntariado sistemático entre os jovens.
Modos de existência para repensar o pensamento
Diante da COP 30, Castillo acredita que "os povos indígenas, povos que vivem nos ambientes mais difíceis, em seu trato com a natureza, geram modos de relacionamento extremamente delicados e sábios, o que nos permite dizer que, se sobrevivemos aqui, é porque devolvemos à natureza o que ela nos dá". Por isso, ele afirma que “podemos contribuir para o desenvolvimento do pensamento lúcido coletando modos de existência que nos permitam renovar e repensar nosso modo de existir”. Por exemplo, ele ressalta que "essas são pessoas que não têm muita pressa. Vivemos com pressa, e a pressa esquenta, e o que esquenta, destrói. Quanto mais nos apressamos, mais esquentamos, e quanto mais esquentamos, mais criamos condições para o desaparecimento".
Por isso, o Arcebispo de Lima exige “um estilo de vida mais contemplativo”. Em resposta, ele fala sobre o fenômeno atual do suicídio de jovens, algo que acontece "porque ninguém se dá ao trabalho de ouvi-los", algo que desafia "um modo de vida muito mais equilibrado".
A preocupação de Leão XIV com a hipertecnologia
Dez anos após a Laudato si e em continuidade com o novo pontificado, o Cardeal Castillo afirma que "o Papa Leão XIV está claramente extremamente preocupado com as consequências da hipertecnologia da Inteligência Artificial, que, como toda tecnologia, acabará por desaparecer, porque é isso que fazemos com a tecnologia. Usamo-la por um tempo, mas descartamo-la, porque é útil por um tempo." A partir daí, ele sustenta que “no caso específico da Inteligência Artificial, há vários problemas, não só na Igreja”.
Castillo lembra que "YuvalHarari afirmou que a inteligência Artificial não pode substituir a inteligência humana porque lhe falta intuição. Ela trabalha com material pré-dado e com dados que lhe foram fornecidos, e os estabelece de forma lógica, podendo, obviamente, gerar um discurso lógico. Mas não é um discurso intuitivo, e o que é sempre mais importante, na natureza, são seus próprios ciclos e, nos humanos, a intuição para processá-los. Se essa intuição desaparece em nós, nós também desaparecemos, porque tudo fica nas mãos de uma espécie de mecanismo anônimo que não sabe para onde vai, não se pergunta qual o seu significado."
Perigo do discurso lógico sem sentido
A computação, nas palavras do cardeal peruano, "ajuda a simplificar as coisas, mas pode torná-las muito complicadas, porque estabelece um tipo de discurso lógico que não faz sentido". Um alerta feito por aqueles que têm mais conhecimento sobre o assunto, como Harari e Bill Gates, lembra Castillo. É por isso que ele alerta que “neste momento não podemos ficar sem consciência”. Nesse sentido, "o Papa Leão está preocupado com as consequências disso para a humanidade. Estamos nos tornando uma sociedade individualista, mas também ociosa, que curiosamente se move tão rápido para poder náo fazer nada depois."
Diante disso, ele insiste que "a preocupação com os outros, a atenção ao indivíduo, a compreensão da complexidade da realidade.Isso nos eleva, nos faz crescer como humanos. Não precisamos de Inteligência Artificial para isso; precisamos desenvolver novas capacidades de geração, de conhecimento intuitivo, abrangente, até científico, mas sempre com base no que recebemos da humanidade sem o termos construído nós mesmos. Há elementos gratuitos que recebemos que não podemos considerar como coisas que administramos sem critérios mais profundos, filosóficos, por exemplo. É difícil, neste momento, pensar em problemas mais profundos. Estamos reduzindo tudo a: é útil para mim, não é útil para mim, eu compro, quanto ganho com isso? E o dinheiro está atrás, sim, mas o dinheiro para a sociedade."
Tenho quase certeza de que esse surto de demônios e possessões no Brasil do século XXI é muito mais explicável pela ciência do que pela religião. É mais fácil colocar a culpa dos meus problemas e dilemas interiores em um ente externo, pois assim eu não preciso resolver nada, o padre, o pastor, ou pajé resolvem para mim.
22 maio 2025O Arcebispo de Lima, Cardeal Carlos Castillo. Ele sustenta que na universidade, "segundo a linha de pensamento moderna, o que desenvolve o conhecimento, tanto filosófico quanto científico, depende das ciências sociais, exatas ou experimentais, mas sempre há uma tendência, na mentalidade moderna, a dizer que nós é que sabemos".
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22 maio 2025