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Entre chupetas e algoritmos: a infância ameaçada e a sociedade da hipervisibilidade

Por IHU

Dois fenômenos aparentemente opostos ganharam as redes sociais brasileiras recentemente:

  1. A denúncia do influenciador Felca sobre a adultização infantil — crianças expostas a estéticas e comportamentos adultos —, que viralizou desde 6 de agosto com mais de 40 milhões de visualizações em oito dias;

  2. A viralização de adultos usando chupeta como alívio do estresse ou com tom humorístico.

Importante notar que não se trata apenas de uma criança “parecer” adulta, mas de um deslocamento precoce dos referenciais da infância — seja no vestir, no gesto ou nas expectativas — para territórios reservados à vida adulta. A erotização infantil, que expõe a criança como objeto de atração, a arrebata de seu espaço seguro, expondo-a à vulnerabilidade e aos riscos de predadores digitais e abusos.

Um exemplo concreto: Hytalo, citado no vídeo de Felca, está sendo investigado pelos Ministérios Públicos da Paraíba (MPPB) e do Trabalho (MPT), e foi preso preventivamente em 15 de agosto por exploração de menores.

Por outro lado temos a infantilização dos adultos. Trata-se de uma reação performática que pode parecer inofensiva, mas revela uma busca por escapismo emocional diante da sobrecarga da vida adulta. A chupeta, nesse caso, não é apenas brincadeira, mas um gesto de autorregulação afetiva. Porém, a repetição desse comportamento em ambiente digital, movido por algoritmos, o transforma em “modinha”: uma performance condicionada a engajamentos, likes e compartilhamentos.

Estamos diante de uma lógica hipermidiática e a “pornografização” da sociedade. Vivemos em uma sociedade hipermidiatizada, em que a vida se molda aos formatos das telas e dos algoritmos, buscando impacto visual e engajamento — tudo num sistema movido pela “economia da atenção”. O filósofo Byung-Chul Han, em Sociedade da Transparência, observa que vivemos em uma era em que a visibilidade destrói a privacidade, expondo tudo como mercadoria — uma “pornografização da sociedade”.

A “hipervisibilidade” transforma outras pessoas em objetos consumíveis, despojando-os de sua alteridade ética — tudo vira conteúdo, tudo vira mercado.

Faz-se necessário estar atentos à dimensão ética, à questão dos direitos e regulação. Esses fenômenos não se restringem ao campo da estética ou do espetáculo — são também questões ligadas aos direitos das crianças e adolescentes, sujeitos em desenvolvimento que requerem proteção especial.

No plano institucional: foi anunciado na Câmara dos Deputados a criação de um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei contra a adultização de crianças nas redes sociais. O governo federal também avalia encaminhar ao Congresso uma proposta de regulação das plataformas para garantir proteção a usuários, especialmente menores. A responsabilidade das plataformas digitais — controladas pelas big techs — deve ir além da moderação punitiva e integrar uma política cultural que equilibre liberdade de expressão, direitos e bem-estar digital.

Diante disso, o principal desafio é desviar o foco da espetacularização e da viralidade para a reflexão crítica: entender como e por que essas expressões de vida — infantilização ou adultização — se tornam mercadoria nas redes. Ambas são faces distintas de uma lógica mercadológica que transforma emoção, corpo e identidade em produtos para consumo rápido — e tudo pode ser varrido pela próxima tendência viral, sem oportunidades reais de resposta crítica ou regulatória 

O texto é de Marcus Tulius — mestre em Comunicação e coordenador de comunicação da Cáritas América Latina e Caribe, com atuação anterior na Pascom Brasil e no Grupo de Reflexão sobre Comunicação da CNBB. Acesse o texto completo aqui: IHU Unisinos.

Neste meste contexto, encontramos outra reflexão que aponta para a adultização das infâncias: quando o consumo rouba a inocência

O alerta que partiu das redes sociais expôs como a cultura de consumo erotiza corpos infantis, reforça scripts de gênero e transforma crianças em mercadoria estética, revelando a urgência de proteção social e digital. Ao levar o tema ao grande público, mostrou que não se trata apenas de uma preocupação isolada, mas de um sintoma de uma cultura de consumo que erotiza corpos infantis e transforma crianças em mercadoria estética.

O corpo, nesse contexto, não é apenas um corpo: ele carrega significados sociais e culturais inscritos por meio da roupa, dos adereços, dos gestos e das narrativas que o envolvem. Nesse cenário, surgem os “scripts de gênero”, concebidos pela professora Jane Felipe, que impõem condutas e atributos esperados de homens e mulheres. Romper esses scripts pode gerar sanções e discriminações, reforçando padrões hegemônicos que naturalizam a erotização dos corpos, especialmente femininos.

A erotização precoce – impulsionada por ensaios fotográficos sensuais, campanhas publicitárias ou a infantilização deliberada de mulheres – banaliza o assédio e dilui a gravidade da pedofilia, tornando o corpo infantil um dispositivo estético e comercial. O ambiente digital impulsiona essa lógica, expondo corpos sensíveis e conectando, de forma silenciosa, comunidades criminosas que atentam contra a segurança física e virtual das crianças.

A visibilidade alcançada por Felca não é apenas resultado de um conteúdo bem articulado: trata-se de um convite urgente para que sociedade, governo e plataformas digitais assumam seus papéis na proteção da infância. A erotização infantil não é um desvio isolado, mas o sintoma visível de uma cultura que naturaliza roteiros de gênero nocivos e transforma corpos jovens em mercadorias. O alerta foi dado. A verdadeira questão agora é saber quem vai ouvir e, mais importante, quem vai agir...

O artigo é de Anderson Barcelos Martins, Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/Ufrgs), em artigo publicado por Brasil de Fato, 13-08-2025. Também por IHU 

 

 

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