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16/08/2022 Denilson Mariano Edição 3950 A hospitalidade e a nova organização na terra: Mês da bíblia 2022 (2/3)
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"A partir do sofrimento do deserto, inicia-se uma vivência mais participativa, mais hospitaleira. Os israelitas organizam o sistema tribal de governo, com a participação e o envolvimento de todos, na busca de uma sociedade igualitária, com defesa e produção em comum. Era um governo mais participativo, e comprometido com a causa do povo."

 

Continuando nosso estudo do Livro de Josué (cf. Deus está com você), antes da conquista da terra é preciso levar em conta que a vida nas montanhas de Canaã era muito sofrida: pobreza, doenças, secas prolongadas, disputa entre os clãs, guerras provocadas pelos reis cananeus, desnutrição e fome. Pesquisas arqueológicas, nos cemitérios da época, revelam que quase a metade das pessoas não ultrapassava os 18 anos de vida. Para sobreviver era preciso a mútua ajuda: cooperar e defender os “estranhos”, como membros de um único povo. A hospitalidade foi fundamental, para a sobrevivência do povo e para a conquista da terra de Canaã. É nas montanhas que o grupo saído do Egito se junta ao grupo das montanhas que lutava contra a dominação das cidades-estado. A hospitalidade aos viajantes, aos migrantes, tornou-se lei (cf. Gn 18, 2-8; Ex 22, 20-22; Lv 19, 33-34); eles deveriam ser acolhidos e protegidos (cf. Gn 19, 6-8; Jz 19.20-23). A história de Raab, mulher estrangeira e prostituta, é modelo de hospitalidade (cf. Js 2,1-24).

A hospitalidade e a confissão de fé

A conquista da Terra começa com a estratégia da espionagem, à semelhança do que acontecera com Moisés (1300 a.C), quando a terra de Canaã não era habitada: “Javé falou a Moisés: ‘mande alguns homens para explorar a terra de Canaã, que vou dar aos filhos de Israel’” (Nm 13, 1). A releitura dos acontecimentos mostra agora Josué, em uma ação militar, para reconquistar a cidade, como parte de um plano divino. Os espiões que Josué enviou chegam à casa da prostituta Raab, na cidade de Jericó. Eles são acolhidos por ela e protegidos das ameaças do rei. Raab põe em prática a lei da hospitalidade, honrando o dever sagrado de acolher o estrangeiro, conforme a fé do povo de Israel.

Mesmo ariscando a sua vida e a de sua família, Raab enganou o rei e escondeu os dois israelitas (Js 2, 4-6). Após a saída dos perseguidores, ela faz uma confissão de fé: “Sei que Javé deu a vocês esta terra e estamos apavorados” (Js 2, 9). Ela reconhece a grandeza e o poder de Deus, que é dono da terra. Assim Jericó, a terra de Javé, será conquistada pelos israelitas. Por exercer a hospitalidade com os membros do povo de Deus, ela tem direito a exigir o pacto de aliança, pela qual os israelitas protegeriam a ela, na hora da conquista. Ela não os denunciaria e eles usariam de misericórdia para com ela e sua família. Esta aliança não leva em conta o moralismo, mas a fidelidade às promessas de Deus. A senha para os israelitas identificarem a casa de Raab seria um cordão vermelho, amarrado na janela de sua casa, que invoca o sangue nos umbrais das casas dos israelitas, por ocasião da saída do Egito (cf. Ex 12-13) A figura de Raab tornou-se muito importante, a ponto de ser lembrada na genealogia de Jesus e em outros textos do Novo Testamento (cf. Mt 1, 5; Hb 11, 31; Tg 2, 25).

Josué, de posse das informações dos dois espiões e sabendo que os cananeus estavam com medo dos israelitas, parte com todo o seu povo em direção ao rio Jordão. Ele ordena ao povo purificar-se e ouvir a Palavra. Os sacerdotes iriam à frente com a Arca da Aliança e, quando seus pés tocassem as águas do rio Jordão, elas ficariam separadas em dois blocos, para que o povo atravessasse o rio a pé enxuto (Js 3). Se a saída do Egito trouxe a liberdade, a travessia do Jordão significava uma nova vida, com a posse da terra.

Além disso, é preciso levar em conta que o Livro de Josué passa por várias redações e sofre alterações, para justificar certas decisões tomadas pelos líderes do povo, em tempos muito distantes de Josué. O rei Josias, por volta do ano 620 a.C, busca justificar a política de expansão do seu reinado, aproveitando a crise da Assíria, que tinha sido tomada pelos babilônios. O Livro de Josué procura legitimar a política expansionista e militarista de Josias. Daí também o uso constante da violência armada, na (re)conquista da terra. As cidades de Jericó e Hai (Js 8, 14-29) já haviam sido tomadas por Josué, no passado; assim, Josias, como legítimo descendente de Davi e Salomão, teria autoridade para promover a reconquista destas terras.

Além disso é preciso levar em conta que o Livro de Josué passa por várias redações e sofre alterações, para justificar certas decisões tomadas pelos líderes do povo, em tempos muito distantes de Josué. O rei Josias, por volta do ano 620 a.C, busca justificar a política de expansão do seu reinado, aproveitando a crise da Assíria, que tinha sido tomada pelos babilônios. O Livro de Josué procura legitimar a política expansionista e militarista de Josias. Daí também o uso constante da violência armada, na (re)conquista da terra. As cidades de Jericó e Hai (Js 8, 14-29) já haviam sido tomadas por Josué, no passado; assim, Josias, como legítimo descendente de Davi e Salomão, teria autoridade para promover a reconquista destas terras.

Esses relatos da conquista mostram uma ação miraculosa de Deus; há uma liturgia, ligada a traços de uma guerra santa, pois, não se trata de uma crônica dos fatos, mas de uma releitura (Js 6). O rei Josias (620 a.C.), para ampliar suas conquistas, usa da religião, para justificar a violência sobre outros povos. O nome de Deus é usado para justificar a violência, o avesso da proposta do reino de justiça e paz, anunciada por Jesus. Não podemos nos esquecer de que Jesus é chave para a leitura e interpretação de toda a Escritura Sagrada (cf. Mc 9, 2-13; Lc 9, 28-36). É a partir de Jesus, que temos de reler Josué e sermos capazes de nos indignar contra toda forma de violência.

Importa destacar a fidelidade do povo a Javé. Quando alguém “pisava na bola” com Deus, perdendo o foco da Aliança, as lutas do povo terminavam em derrotas. Hoje, quando perdemos a conexão com Deus, batemos com a testa no barranco.

Outro fato marcante era a presença da Arca da Aliança, com as tábuas da Lei. Para atacar o povo de Deus, os inimigos tinham como “senha” a ausência da Arca no meio deles. Isso nos leva a perguntar: como está a nossa Arca dos Grupos de Reflexão em nossas Comunidades? A pandemia é a única culpada da decaída dos Grupos? Comunidade sem esta “Arca dos Grupos de Reflexão” perde sua vitalidade. É a vivência da Palavra, refletida em grupos, que nos motiva e dá sentido à nossa caminhada cristã. Outra coisa importante é o cuidado de Josué, em preparar as estratégias de lutas da conquista da Terra. Elas eram planejadas, tendo em vista a situação do terreno e as informações que colhia...

Partilha da terra e organização do povo

Para construir uma sociedade onde seus habitantes tivessem direito à vida, era necessária a partilha da Terra. Era preciso uma “reforma agrária”, para que todos pudessem ter acesso ao necessário para viver. O latifúndio cria uma sociedade dividida, onde poucos têm muito e muitos não têm quase nada. Josué então divide as terras conquistadas com as tribos, de acordo com a necessidade de cada uma. Josué deixa claro que a terra é obra das mãos de Deus, é um dom de Deus, que possibilita a vida do povo. Terra é garantia de vida, de autoestima e de felicidade. Ela é distribuída entre os seus habitantes, para que a vida seja humanizada, digna para todos. Isso nos lembra que estamos na Terra só de passagem, temos a missão de preservá-la, para que as gerações futuras tenham possibilidades de sobreviverem, também com dignidade.

Josué recebe de Deus a ordem de fazer a partilha da Terra (Js 13, 1-7). Para que fosse feita com justiça, foram necessários o esforço humano, o mapeamento da Terra e a acolhida da vontade de Deus, através do sorteio. Os capítulos 13 a 19 do livro de Josué narram como os territórios ocupados foram repartidos entre as tribos. Estes capítulos fazem menção das cidades de refúgio e da tribo dos levitas, que não receberam Terra, para que se ocupassem do cuidado espiritual do povo. Ainda aparecem nestes capítulos diversos relatos sobre a partilha da Terra.

No Egito, os israelitas sentiram na pele os sofrimentos provocados por um governo centralizado, que usava da mão de obra escrava. Agora, chegando às Terras de Canaã, a Terra prometida, eles encontram as cidades-estado, que tinham também governo centralizado. A partir do sofrimento do deserto, inicia-se uma vivência mais participativa, mais hospitaleira. Os israelitas organizam o sistema tribal de governo, com a participação e o envolvimento de todos, na busca de uma sociedade igualitária, com defesa e produção em comum. Era um governo mais participativo, e comprometido com a causa do povo. O sistema tribal ficava assim constituído:

Sociedade igualitária: fundada no interesse comum e organizada a partir da base: família patriarcal – clã – tribo (Nm 1, 1 – 2, 34);

Autonomia produtiva: a Terra pertence ao povo e é distribuída entre as famílias ou grupos. Proíbe a acumulação (Ex 16), celebra o ano jubilar e o ano sabático, para devolver a Terra aos seus antigos donos e permitir o descanso da Terra (Lv 25, Dt 15, 1-18);

Exército ocasional improvisado: para se defenderem, as tribos se reúnem e organizam suas forças, para lutar contra o inimigo comum (Jz 4, 6-10);

As leis defendem o sistema igualitário: os mandamentos se baseiam no compromisso mútuo, preservando a liberdade e prescrevendo relações sociais, justas e fraternas (Ex 20, 1-17; Dt. 5, 1-21);

O poder participado e subsidiário: as decisões são tomadas progressivamente pelos anciãos (chefes da família, de clã e de tribo). Grandes decisões são tomadas em assembleias do povo. (Ex 18, 13-27; Nm 11, 16-25; Js 24);

Fé unicamente em Javé: o Deus libertador, que promove a liberdade e a vida para todos, através da fraternidade e da partilha (Ex 31, 15; 22, 20-26; Dt 24, 6-22);

Culto descentralizado: para celebrar a vida e a história, nas famílias e, depois, nos santuários; celebra a presença e a ação de Javé, que liberta o povo e o põe em marcha para a vida (Ex 19, 1-18; Dt 26, 1-11; Js 24, 1-28; Jz 17);

Sacerdotes-levitas a serviço do povo: exercem uma liderança, que não permitia a acumulação dos bens. Não podiam ter Terras e deveriam viver de seu trabalho, ao lado dos pobres e necessitados (Nm 18, 20; Dt 12, 12.18-19; 14, 27; Js 13, 14).

O sistema tribal era “um sistema alternativo de sociedade, que se concretizou graças à partilha igualitária da economia (Terra e produção) e à participação igualitária na política. Essas duas coisas implicavam sérias mudanças no modo de ver e de agir. Durou cerca de 250 anos” (cf. Storniolo).

A fidelidade a Javé e a memória das lutas do povo eram o apoio do sistema tribal, que teve altos e baixos. Sofreu muito a influência dos cananeus. Este sistema é uma inspiração, para repensarmos o sistema das sociedades de hoje, com suas formas de governo, de modo especial para uma participação popular mais atuante. É um convite para não ficarmos indiferentes, diante das coisas públicas. Assumir nosso compromisso de cidadania. Não é sem motivo que o Papa Francisco vê, nos movimentos populares, uma alavanca para a transformação da sociedade.

As minuciosas listas de lugares com a distribuição da Terra, que aparecem no livro de Josué, são uma demonstração da alegria e da gratidão pelo dom de Deus; e mostram que Terra conquistada é Terra partilhada. Importante lembrar que Terra, Teto e Trabalho são os três Ts do Papa Francisco, frisados sempre nos encontros mundiais com as lideranças dos movimentos populares (2014, 2015, 2016 e 2017): “Terra, Teto e Trabalho, aquilo pelo qual lutais, são direitos sagrados. Exigí-lo não é estranho, é a Doutrina Social da Igreja.”

Para aprofundamento: Inspirados pela partilha da terra e pela organização do povo, no livro de Josué, em que precisamos avançar, em nossa Igreja e Sociedade? Dê exemplos.

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