Ao declararem que o ser humano é imagem e semelhança de Deus, as Sagradas Escrituras vincularam o compromisso religioso ao compromisso social de cuidar da vida.
Dos cinco pecados que bradam aos céus, lembrados no Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 1867, quatro são de natureza social: o homicídio, a opressão aos pobres, o descaso com os vulneráveis e o não pagar o justo salário. No Novo Testamento, Jesus vinculou a salvação ao compromisso com os pobres e a condenação àqueles que se omitem (cf. Mt 25,31-46). Esse compromisso social não é restrito a atos pessoais, mas implica políticas públicas. “A política é a mais alta forma de caridade. Todos os cristãos são obrigados a se empenhar politicamente”, lembrou Pio XI, num discurso aos jovens, em 1927.
O tema da dignidade da vida humana deve ser prioridade ao pensar política. Mas há uma incoerência disseminada em nosso meio e que chamou a atenção do Papa Francisco: “É nocivo e ideológico o erro das pessoas que vivem suspeitando do compromisso social dos outros, considerando-o algo superficial, mundano, secularizado, imanentista, comunista, populista; ou então relativizam-no como se houvesse outras coisas mais importantes, como se interessasse apenas uma determinada ética ou um arrazoado que eles defendem. A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada (…) mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão. Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo. (…) Alguns católicos afirmam que é um tema secundário relativamente aos temas ‘sérios’ da bioética. Que fale assim um político preocupado com os seus sucessos, talvez se possa chegar a compreender; mas não um cristão’’ (Exortação Apostólica Gaudete et exsultate, 100-102).
A Constituição Pastoral Gaudium et spes, 27, enfatizou que TUDO que se opõe à vida é infame e ofende a honra devida ao Criador. É inconcebível que um católico escolha apenas um tema e se omita em outros, se levante contra políticas que ameaçam um lado, mas não se move com igual força diante de políticas ou realidades que prejudicam outras esferas da vida. Se estamos assim, é sinal de que fomos envolvidos pela nociva ideologia que o Papa Francisco denunciou.
Nossa luta deve ser por políticas públicas que promovam a vida humana na totalidade, nosso combate deve ser contra a política/realidade de morte que ameaça a dignidade da vida humana em todas as frentes, é o caso da miséria, da fome, do desemprego, do ódio, do homicídio, do aborto, das novas formas de racismo, escravidão, migração e preconceito, do descaso com a saúde pública, com a educação, com a vida indígena e amazônica, também os ataques e o descaso com o meio ambiente que atingem diretamente o homem que depende da Criação para viver. Essa é a totalidade da Doutrina Social da Igreja.
A atuação política do cristão não pode ceder à mesquinharia de escolher um tema e se omitir de outros. Ao escolher o voto, todas as circunstâncias devem ser levadas em conta e serem exigidas daqueles que apresentam seus pleitos.
Precisamos fazer um exame de consciência e avaliarmos nossa postura como cristãos eleitores e políticos. Sou realmente pró-vida ou só sou contra um ou outro aspecto? Conheço e sou fiel a toda a doutrina social católica ou apenas a uma parte?
Júlio César de Paula Ribeiro, psicólogo, mestrando em Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), membro do Movimento Comunhão Popular, e-mail: juliocdepaular@gmail.com
Fonte: O São Paulo
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