Em dois mil anos de igreja católica, só teve um papa que admirei: Francisco I. No começo, desconfiei dele achando que seria apenas uma maquiagem pra uma igreja que vinha do papado de Bento XVI, outrora membro da juventude hitlerista. Mas aos poucos, fui vendo o quanto Francisco I era comprometido com uma ética cristã na sua essência e que estava politicamente alinhado aos ideais mais progressistas e humanistas de seu tempo.
Francisco I foi o primeiro papa latino-americano. Diferentemente de um Dalai Lama que foi forjado nos porões da CIA para combater a revolução chinesa, o padre Bergoglio viveu numa Argentina na qual enfrentou uma das mais cruéis ditaduras militares. Foi, portanto, completamente diferente do polonês João Paulo II, que dedicou o papado a chancelar políticos reacionários como Margareth Tatcher e Ronald Regan. Ao contrário, Francisco I esteve com Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales e condenou a prisão política de Lula nos tempos sombrios da Lava Jato.
Francisco I foi então perseguido pelas alas reacionárias da igreja católica e foi vilipendiado por extremistas ignorantes dentro de sua própria religião. Ironicamente, ele tinha admiração de adeptos de religiões afro-brasileiras, indígenas e até mesmo de ateus e pessoas não religiosas. Em um mundo no qual cada vez mais vemos gurus envolvidos em escândalos sexuais e de lavagem de dinheiro, a hombridade de Francisco I fará falta.
Francisco I conseguiu dar um respiro a uma igreja católica em declínio pela ascensão do neopentecostalismo na América Latina. Era praticamente de uma vida austera e pacifista - o oposto da corja de pastores empresários da fé, que sequestraram o cristianismo para tirarem dinheiro dos pobres para enriquecimento pessoal. Enquanto estes apoiam os crimes de Israel e políticos de extrema direita, Francisco I caminhou ao lado do povo palestino, das pessoas pobres e nunca deixou de criticar o capitalismo selvagem que se instalou no mundo com o neoliberalismo.
Não sou católico, mas com todos os problemas, o catolicismo ainda preserva muitos elementos das tradições pagãs nas quais me reconheço. O avanço neopentecostal substitui a arte sacra pela breguice sem padrão estético nenhum. A pregação deles é uma mistura de práticas de coaching com iluminação e sonoplastia de megaevento. Transformam o que deveria ser um ritual baseado numa teologia em um espetáculo grotesco de hipnose coletiva pra provocar reações catárticas a fim de fazer pessoas doarem dinheiro da própria subsistência, sob estados alterados de consciência. Esses pastores falam mais do capeta do que de Jesus e pregam mais o velho testamento do que o novo. Alguns até se vestem de rabino, inventando uma espécie de neojudaísmo viralata, baseado na teologia do domínio. Portanto, o perda da hegemonia católica na América Latina vem acompanhada não é só de uma decadência ética, mas também estética.
Frente a isso tudo, Francisco I fez o que pôde para reafirmar o catolicismo popular. Em que pese o fato de sua ordem jesuíta ter sido a causadora de tantos males aos povos indígenas e a cientistas que romperam o véu do dogmatismo, seu papado foi distinto. Ao escolher homenagear São Francisco de Assis, Bergoglio tomou o lado dos pobres, dos enfermos, dos animais e do meio ambiente. Diferentemente do que acreditei, isso não era uma maquiagem da igreja. Era a expressão do que de bom havia restado na igreja católica. Assim, Francisco I foi maior que sua própria religião e mostrou ao mundo que ainda há esperança mesmo nas grandes religiões.
Siga em paz, caro Francisco I. Que seu legado permaneça ressurreto após esta Páscoa. In hoc signo vinces.
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