Por Bruno Profeta Guimarães Figueira – SBPSP
O que escrever aos colegas psicanalistas de nosso OP no dia em que choramos o falecimento do Papa Francisco? Não faltarão reportagens e análises sobre o seu papado, o significado, o legado e as perspectivas para a Igreja Católica, o vazio de sua reconhecida liderança mundial e as inúmeras histórias de sua humildade, coragem e proximidade, especialmente com todos aqueles das periferias existenciais da humanidade – com “todos, todos, todos!”, como ele mesmo enfatizou desde a Jornada Mundial da Juventude de 2023 em Lisboa.
A despeito das turbulentas, quando não francamente virulentas, relações de Freud com as religiões, em particular com o catolicismo que conheceu em sua Viena, aquele do Concílio Vaticano I de meados do século XIX em sua peleja com o mundo moderno, há que se construir pontes – no melhor estilo de Francisco – com todos os homens e mulheres de boa vontade neste ameaçado século XXI. E o diálogo com as religiões, catolicismo incluído, é incontornável para construir o futuro dos escombros de nossas desilusões, sejam elas religiosas ou científicas.
Francisco, em seus 12 anos de pontificado, não deixou de falar a quem quer que fosse – da alegria do anúncio do evangelho no mundo atual (Evangelii Gaudium) ao diálogo interreligioso (Declaração de Abu Dabhi); do clamor à justiça na crise climática (Laudato Si’ e Laudate Deum) ao carinho com os velhos, jovens e crianças; do enfrentamento aos escândalos sexuais e financeiros de sua própria instituição ao chamado para a fraternidade e amizade social (Fratelli Tutti).
Exortações, cartas, discursos, mensagens e audiências a católicos e não católicos, acompanhados de gestos simbólicos e concretos como nas viagens ao Congresso dos EUA ou às estepes da Mongólia.
Uma boa chave para ouvirmos Francisco – especialmente para nós, psicanalistas, crentes ou não – vem de suas raízes na Companhia de Jesus e no lugar que a espiritualidade de Santo Inácio de Loyola e seus Exercícios Espirituais dão ao discernimento, tema de um ciclo de suas catequeses ocorridas entre agosto de 2022 e janeiro de 2023.
Discernir, nessa tradição, é um ato de escolha a cada passo, a cada decisão, um exercício que envolve conhecer-se a si mesmo e mobiliza memória, inteligência, perícia, vontade, afetos e desejo. Não se reduz a alguma modalidade de ego trip ou a uma psicologia da consciência, mas se passa no interior do ser humano, num descentramento em busca de Deus que aponta para a vida, ao encontro com os outros, em movimento não fechado em si, mas “em saída” – expressão cara a Francisco. Assim como em sua última mensagem Urbi et Orbi no domingo de Páscoa – véspera de sua própria Páscoa – sobre Maria Madalena e os discípulos de Jesus frente à pedra rolada deseu túmulo vazio: “Temos de nos pôr em movimento, sair para O procurar: procurá-lo na vida, procurá-lo no rosto dos irmãos, procurá-lo no dia a dia, procurá-lo em todo o lado, exceto naquele túmulo”.
Nas palavras de Francisco, o discernimento é um processo “árduo, mas indispensável para viver. Requer que eu me conheça, que saiba o que é bom para mim aqui e agora. Exige, sobretudo, uma relação filial com Deus. Deus é Pai e não nos deixa sozinhos, está sempre disposto a nos aconselhar, a nos encorajar, a nos acolher. Mas nunca impõe sua vontade. Por quê? Porque quer ser amado, não temido. E Deus também quer que sejamos filhos, não escravos: filhos livres. E o amor só pode ser vivido na liberdade. Para aprender a viver, é preciso aprender a amar e, por isso, é necessário discernir”.
Aprender a amar para aprender a viver. Reconhecimento dos territórios e movimentos internos. Atenção ao momento, ao aqui e agora nesse diálogo interior. Descentramento de si. O pai (ou os pais) na criança, que não nos deixam só. A liberdade que vem de uma relação de amor, não de temor ou terror. Discernir. Pensar. Não são estas águas (também) da Psicanálise?
Não se trata, evidentemente, de fazer teologia em base psicanalítica ou vice-versa, mas encontrar os caminhos de uma relação que se faça fecunda a ambos os campos, compreendendo aquilo que não as confunde mas sem deixar de cuidar daquilo que as ocupam em imagem e semelhança – do humano ou, melhor ainda, do tornar-se aquele potencial humano que se é e que precisa do outro para encarnar-se.
* Bruno Profeta - Psicanalista, membro filiado do Instituto de formação em Psicanálise "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Psicólogo pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, com especialização em Dinâmicas de Casal e Família pelo Instituto Sedes Sapientiae. Exerce prática clínica em consultório particular. Graduando em Teologia pela FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte.
Fonte: Observatório Psicalítico
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