Quando a Bíblia move o povo: leitura transformadora e engajamento social

Entre 2019 e 2021, a Colômbia viveu intensas manifestações populares. Nesse cenário, um dado chamou a atenção: pequenos grupos cristãos passaram a reler a Bíblia à luz do sofrimento do povo e encontraram nela inspiração para o engajamento social. Um estudo recente revela como essa prática transformou a Palavra em força de resistência e esperança.

A pesquisa, feita com quatro coletivos de inspiração cristã, mostrou que não houve um “manual” ou uma receita pronta para a ação. O que mobilizou essas comunidades foi o modo de ler a Bíblia: em grupo, em diálogo com a realidade, atentos ao clamor dos mais pobres e injustiçados. A Palavra deixou de ser apenas objeto de devoção individual para se tornar voz que denuncia, consola e impulsiona à ação coletiva.

Durante os anos de 2019 a 2021, a Colômbia foi atravessada por fortes protestos sociais. Milhares de pessoas foram às ruas exigindo mudanças políticas, denunciando injustiças e clamando por dignidade. Nesse ambiente de tensão e esperança, um fenômeno chamou a atenção dos pesquisadores: pequenos grupos cristãos se reuniram em torno da Bíblia e, ao relerem a Palavra em meio ao clamor do povo, descobriram nela uma fonte de inspiração para a resistência e para a ação social.

O artigo mostra que a experiência desses coletivos não se baseou em métodos prontos ou teorias pastorais elaboradas, mas na força da própria Palavra quando lida comunitariamente. O texto bíblico, aberto em meio às dores do povo, passou a iluminar a realidade e a revelar um Deus que não está distante, mas que caminha com os que sofrem. A leitura bíblica deixou de ser apenas prática devocional individual e se transformou em espaço de encontro, discernimento e compromisso.

A primeira constatação é que essa forma de ler a Bíblia criou comunidade. Ao reunir homens e mulheres em torno da Palavra, os grupos experimentaram a força do Espírito que anima, consola e também provoca. Essa leitura partilhada despertou consciência crítica diante da realidade colombiana e fortaleceu os laços de solidariedade. A Bíblia, mais do que um texto antigo, mostrou-se uma Palavra viva e atual, capaz de gerar unidade e esperança.

Um segundo aspecto revelado pelo estudo é a dimensão profética da Escritura. Ao escutar o grito do povo, os grupos reconheceram na Bíblia o chamado de Deus à justiça. Textos que falam de libertação, do cuidado com os pobres e da misericórdia divina foram relidos como convites para agir concretamente. Assim, a fé deixou de se restringir ao espaço litúrgico e encontrou sua expressão nas ruas, nos protestos, na defesa da vida.

Por fim, o artigo ressalta a dimensão missionária dessa experiência. Ao se deixar conduzir pela Palavra, esses grupos cristãos compreenderam que ser discípulo de Jesus significa testemunhar não apenas em palavras, mas em gestos e em compromisso social. A missão da Igreja, recordam os pesquisadores, não se encerra no altar ou na comunidade eclesial; ela se prolonga na vida cotidiana e nos processos históricos, onde o Evangelho se torna boa notícia para os que lutam por dignidade.

Essa experiência vivida na Colômbia lança um desafio para toda a Igreja na América Latina: como redescobrir a Bíblia em chave comunitária e pastoral, de modo que sua leitura não nos afaste do mundo, mas nos ajude a mergulhar nele com mais fé e esperança? A lição que vem desses pequenos grupos é clara: quando a Palavra é lida a partir da vida e partilhada em comunidade, ela nos faz Igreja em saída, comprometida com a transformação da realidade.

O artigo foi escrito por várias mãos: Norida Rodríguez-Moreno; Juan-Alberto Casas-Ramírez; Alejandro Olaya-Arenas; Jhon-Fredy Mayor-Tamayo. Ele encontra-se em espanhol e pode ser lido neste link PRÁCTICAS DE LECTURA BÍBLICA POR PARTE DE CUATRO COLECTIVOS DE INSPIRACIÓN CRISTIANA EN EL MARCO DE LAS MANIFESTACIONES SOCIALES EN COLOMBIA (2019-2021)