Você saiu quase silenciosamente, assim como entrou na Basílica de São Pedro para governar a Igreja, sem vestes religiosas de luxo, com uma saudação simples e amigável e um sorriso, sem carro de luxo, sem sapatilhas vermelhas e com um quarto comum de padre. Você desceu do trono papal para estar perto dos fracos e pregar o Evangelho. Portanto, antes de você partir em meio a este calvário em Gaza, trago-lhe quinze ações de graças.
- Obrigado por ser “um ser humano”. Parece óbvio, mas não é tão óbvio assim. Você deixou o papa intocável para trás. Não aquele com a tiara, a cadeira gestacional e o “nós”, felizmente rejeitada pelos seus antecessores. Sem se enclausurar noterceiro andar [aposentos oficiais do papa], às vezes inacessível, que falava sem ouvir, caminhava sem pisar a rua, pregava com tanta confiança que parecia fazê-lo quase sempre ex cathedra e parecia-se mais com o pontífice do que com o padre.
- Porque você pregou para o povo. Você aproximou a linguagem de suas cartas e sermões com terminologia acessível aos homens e mulheres do nosso tempo, de modo que “você é compreendido até demais”. “Ele é argentino”, dizem, “ele fala e fala”. Não reclamávamos do papa esfinge, o intelectual que não podia ser compreendido? Obrigado, porque você não fala apenas como a mamãe, o vovô ou o cara da esquina e todo mundo lhe entende, mas você até criou linguagem, neologismos e seu próprio gênero literário para despertar as pessoas do seu sono digital.
- Seus melhores amigos foram os pobres. Você dedicou seus parágrafos e ações mais ousados, afetuosos e corajosos a eles, correndo o risco de ser rotulado de “marxista”, “populista”, “peronista” e outras bobagens do tipo. Por apostar nos explorados, nos excluídos, nos imigrantes, nos marginalizados, nos sem-teto, nos últimos desta sociedade injusta, tendo como código de conduta o melhor e o mais ousado de todos, as bem-aventuranças de Jesus. E também para as mulheres, tomando algumas medidas para promovê-las em algumas posições na Igreja.
- Por cuidar do planeta, por meio de suas encíclicas e documentos pastorais, quando as evidências das mudanças climáticas estão fora de questão e os trustes e oligopólios do mundo de hoje continuam a se concentrar exclusivamente no ganho material, acumulando os “celeiros” [cf. Lc 12,13-21] de alguns, enquanto o planeta se deteriora. Porque o nosso mundo também é um sacramento.
- Por nos ensinar a rir e a sorrir, nos mostrando o caminho da eutrapelia[modo de gracejar sem ofender; zombaria inocente], a alegria de viver; porque pela fé sabemos que esta vida tem sentido e esperança diante de todos os medos e ansiedades dos frequentes profetas de calamidades.
- Por condenar a violência e as guerras, sem subterfúgios geopolíticos ou diplomáticos, condenando todas as formas de uso e gasto injusto de armas, venham de onde vierem, e mesmo que alguns o ataquem por essa denúncia.
- Pelos seus esforços para livrar a sua Igreja dos flagelos, sejam eles provenientes da economia ou da moralidade sexual, como demonstrou de forma drástica e direta no esforço para erradicar a pedofilia e os escândalos financeiros do Vaticano.
- Por enfrentar a Cúria Vaticana e o poder clerical, e lutar para erradicar sua corrupção, denunciando-a publicamente, sem medo de seuslobbies de poder e influências, ou excluindo o despotismo clerical orgulhoso, essas medidas foram as que possivelmente despertaram as maiores rebeliões de cardeais e críticas internas.
- Pela sinodalidade e a descentralização da Igreja, a melhor maneira de enfrentar o centralismo e fazer participar a periferia, um caminho íngreme e difícil de empreender, no qual ainda há muito a percorrer, pois sem um primeiro passo nenhuma viagem se inicia.
- Pela tolerância à pesquisa teológica, ao pluralismo de pensamento, ensino, imprensa e expressão na Igreja, após muitos anos de “mordaça” e regressão. Mesmo quando a crítica é direcionada a você mesmo.
- Pela abertura aos outros— membros de outras religiões, judeus, muçulmanos, irmãos separados, agnósticos e ateus — sem complexos de superioridade, ciente de que ninguém tem uma verdade absoluta e todos podemos aprender. Principalmente pela sua proximidade com os jovens, aceitando-os como são, oferecendo-lhes, nunca impondo-lhes. A caridade acima da ortodoxia.
- Por sua bênção aos gays, porque, sem dirimir teologicamente a sacramentalidade de suas uniões, você lhes diz que Deus os ama, que você os ama, que não os julga (“e vocês não serão julgados”) e que ninguém tem o direito de anulá-los na vida por serem quem são ou como se sentem. Porque a missão da Igreja é a do Bom Pastor e do Bom Samaritano, não a de bater ou excluir ovelhas que não gostamos com um cajado limpo. Algo semelhante deve ser dito sobre a comunhão dos divorciados.
- Por não se identificar com a infalibilidade. Pois, sem negar essa prerrogativa papal, você não a exerceu, até onde sei, explicitamente até agora e, sobretudo, não a pratica cotidianamente com a ambiguidade de considerar que tudo o que diz é infalível. Além disso, você aceitou em diversas declarações algo incomum para um papa, que às vezes você se equivoca!
- Por ser jesuíta, não jesuítico. Por não renunciar ao carisma de Inácio [de Loyola], aos Exercícios Espirituais e à grande herança da Companhia, que você demonstra através de sua excelente formação, espiritualidade e prática de discernimento. Mas sem o “jesuitismo” exclusivo, sibilino ou aristocrático da lenda, sendo um papa de todos, aberto a todos os carismas, com predileção pela simplicidade e pelo amor às criaturas do santo de seu nome, o de Assis. Com uma única “intransigência”: contra o sectarismo e a imobilidade na Igreja.
- Mas acima de tudo pelo seu gosto pelo Evangelho. Quando me perguntam se você foi um papa progressista ou conservador, sempre opto por uma resposta: nem um nem outro. Você foi um papa evangélico.
Isto é progresso ou não? Cada um responda. Mudou a Igreja com grandes reformas? Ele tentou, da melhor forma que pôde e até onde lhe permitiram, aproximá-la mais de Jesus. Essa é a coisa mais arriscada que se pode fazer, pois pode provocar ódio e amor ou seguidores ao mesmo tempo.
Ele fez um ato tão revolucionário quanto remover o Papa do centro, deixando Jesus lá.
Traduzido do espanhol e editado por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
Fonte: El Independiente – Opinión – Terça-feira, 22 de abril de 2025 – Internet: clique aqui – Acesso em: 23/05/2025.